Lula insiste na MP de Haddad e usa emendas parlamentares para conter crise política
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Foto: Agência Brasil |
por Gabriel Goes
O
governo federal enfrenta mais uma turbulência política: a Medida Provisória
proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que busca ampliar a
arrecadação da União, provocou forte reação no Congresso Nacional. Mesmo diante
da resistência de partidos aliados e de críticas do setor econômico, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu bancar a proposta e, como estratégia, determinou a liberação
acelerada de emendas parlamentares. A movimentação escancara a tensão entre o
Executivo e o Legislativo, e reacende o debate sobre os limites éticos da
negociação política.
O que está na Medida Provisória
A MP
editada por Haddad tem como foco o aumento da arrecadação federal, em meio à
meta de déficit zero proposta para o ano de 2025. Para isso, o texto prevê a
taxação de investimentos que até então contavam com isenções. Aplicações como
LCI, LCA e debêntures incentivadas, por exemplo, passam a sofrer retenção de
Imposto de Renda na fonte, com alíquota de 5%. Também estão incluídos no pacote
os fundos imobiliários, FIAGRO, criptoativos e os chamados fundos exclusivos,
que terão alíquota de 17,5%.
Outro
ponto de destaque é a taxação das apostas eletrônicas — as famosas “bets” —, que passaram a movimentar bilhões no país. Além
disso, fintechs e instituições financeiras digitais também serão alvo da
proposta, passando a recolher a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido) em patamares semelhantes aos dos bancos tradicionais.
A
justificativa do governo é que esses ajustes são necessários para corrigir
distorções no sistema tributário e ampliar a justiça fiscal. Na prática, a
proposta pretende aumentar significativamente a receita da União, com impacto
direto no cumprimento das metas fiscais estabelecidas pela equipe econômica.
Reações no Congresso e exigências
por cortes
A
proposta, no entanto, encontrou forte oposição logo de início. Partidos como
União Brasil, PP, Republicanos e até setores do PSD se manifestaram contra o
conteúdo da MP, argumentando que o governo está buscando dinheiro novo sem
cortar despesas. A cobrança por contrapartidas — especialmente redução de
gastos públicos — virou condição para que a medida avance.
Além
das críticas sobre o mérito da proposta, parlamentares também expressaram
desconforto com a forma como o governo conduziu a edição da MP, sem ampla
negociação prévia com as lideranças do Congresso. Essa insatisfação fortaleceu
o discurso de que o Executivo precisa dividir a responsabilidade fiscal não
apenas com os contribuintes, mas também com a própria máquina pública.
Liberação de emendas como tentativa
de contenção
Diante
do risco de derrota, o presidente Lula autorizou a liberação acelerada de
emendas parlamentares. Nos últimos dias, o governo empenhou e pagou cerca de
R$250 milhões, com promessas de liberar valores ainda mais expressivos nos
próximos dias. A intenção é clara: conter a rebelião no Congresso e angariar
apoio suficiente para que a MP não seja devolvida ou rejeitada.
Como
aponta o advogado João Valença, do VLV Advogados, a prática da liberação de
emendas em si não é ilegal, pois está prevista no orçamento público. No
entanto, “ela deve respeitar os princípios constitucionais da legalidade,
moralidade e impessoalidade. Quando a liberação de recursos é usada como moeda
de troca política, há risco de desvio de finalidade e comprometimento do
interesse público”, explica. Segundo ele, embora legítimo buscar
governabilidade, é fundamental que a relação entre os poderes se mantenha
dentro dos limites institucionais previstos pela Constituição.
O
comentário do especialista ressalta a preocupação com os limites éticos da
negociação política, especialmente quando recursos públicos passam a ser
vinculados a decisões legislativas estratégicas. O alerta também se alinha à
crítica de analistas que veem nessa prática um sintoma do velho “toma-lá-dá-cá”
da política brasileira.
Governo joga alto, mas enfrenta
riscos
Ao
manter a MP de Haddad e utilizar a liberação de emendas como moeda política,
Lula aposta alto na aprovação da proposta
e no sucesso da agenda fiscal do governo. O problema é que a base aliada
já demonstrou que não aceitará qualquer texto sem modificações. A exigência por
cortes de gastos e ajustes técnicos deve forçar o Planalto a ceder em alguns
pontos para evitar uma derrota.
Caso
a MP seja rejeitada ou expire sem votação dentro dos 120 dias previstos, o
impacto será duplo: o governo perderá uma fonte crucial de receita e ainda
sofrerá um desgaste político relevante. Isso poderia enfraquecer a posição do
ministro Haddad e comprometer a credibilidade do compromisso com o equilíbrio
fiscal.
O
caminho, portanto, exige habilidade política, disposição para negociar e
sensibilidade fiscal. Mais do que uma disputa técnica, a MP virou um campo de
batalha político e simbólico, tanto para o governo quanto para o Congresso.
A
insistência do presidente Lula na aprovação da Medida Provisória de Fernando
Haddad mostra que o Palácio do Planalto está disposto a fazer concessões
políticas para garantir a sustentabilidade fiscal do país. A liberação de
emendas parlamentares entra como instrumento tático, mas levanta questões
éticas e jurídicas sobre os limites dessa prática.
No
centro desse embate está a disputa por protagonismo entre Executivo e
Legislativo, num momento em que o Brasil precisa desesperadamente de
estabilidade fiscal e previsibilidade política. O desfecho da votação da MP
pode ser decisivo não apenas para a economia, mas também para os rumos da
articulação política do governo nos próximos meses.