Educação precisará de até 10 anos para recuperar perdas

 


A educação foi um dos segmentos mais afetados com a pandemia de coronavírus e está começando a retomar suas atividades presenciais,  ao passo que busca recuperar o “tempo perdido” com 18 meses no cenário pandêmico. Entre educadores e estudantes, é consenso que o ensino remoto e aulas não presenciais não têm o mesmo impacto das atividades de antes. No Rio Grande do Norte, especialistas dizem não ter um “prazo” de quanto tempo a situação irá se equalizar. A Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (SEEC/RN), estima de 5 a 10 anos para que essa situação venha a se normalizar, mas o prazo pode ser maior.

“Não temos um estudo específico da SEEC, mas nos baseamos em estudos nacionais e internacionais e costumo dizer para o pessoal que esse período não foi perdido, mas foi comprometido. Trabalhamos em tentar avançar e tentar desmentir o que as pesquisas apontam, que com esse prazo, que eu planejava que seria fevereiro,  só teríamos uma perda de 5 anos. Com esse percurso, a média internacional será de 8 a 10 anos para a recuperação desse mesmo processo”, diz Getúlio Marques.  

Apesar do “tempo perdido”, ainda não está na perspectiva da SEEC, a princípio, o acréscimo do número de aulas na rede. A principal medida para recuperar os alunos é a chamada busca ativa, que consiste em orientações pedagógicas para que os professores e gestores escolares possam identificar os motivos os quais aquele aluno não está indo para a escola. 

“As vezes é o pai que não quer mandar o aluno pra aula, é um transporte que não tem. Estamos usando o programa do Busca Ativa, da Unicef, que é buscar alunos que se evadem, reprovam. É ir na casa do aluno, de forma georeferenciada”, disse. 

Outros pontos também norteiam os planos da SEEC para recuperar os alunos. Um deles é um contrato que está sendo feito para que 40 municípios em situação de vulnerabilidade cibernética possam ter acesso à internet banda larga. A expectativa é que nas áreas rurais, espaços mais carentes de sinal, que a tecnologia via rádio seja implantada nas escolas desses espaços, podendo atingir raios de até 15km, propiciando que o estudante consiga acessar a internet por meio de modens. 

Da rede estadual, segundo dados da SEEC, dos cerca de 222 mil alunos matriculados até o final de abril de 2021, cerca de 30 mil deles não acessaram a plataforma do Sistema Integrado de Gestão de Educação (Sigeduc) em nenhum momento, aliado ao fato de que outros 20 mil deles acessaram “menos que a média”, segundo Getúlio Ferreira Marques. As causas para isso, segundo ele, é o fato de que muitos municípios não possuem banda larga, além de que muitos estudantes e famílias não possuem acesso a ferramentas tecnológicas.

“Não significa que eles não fizeram nada. Consideramos que esse grupo dos 20 mil precisam de apoio tecnológico. Em média, digo que de 20 a 25% dos alunos da rede vão precisar desse tipo de apoio”, acrescenta.

Do ponto de vista tecnológico, visto pelo secretário como  algo que ficará pós pandemia, é a criação de um Centro de Mídias, um espaço interligado entre todas as Diretorias de Educação para unir aulas ao vivo ou gravadas por parte dos professores da rede. 

Outra das apostas da SEEC para o futuro é o ensino profissionalizante. Atualmente, são 11 Centros Estaduais de Educação Profissional (CEEPs), sendo quatro deles em Natal e 54 escolas de Ensino Médio que oferecem o ensino técnico. Os Institutos Estaduais de Educação Profissional, Tecnologia e Inovação do Rio Grande do Norte (IERN), que serão 12, visam recuperar o “significado” do Ensino Médio.

Retorno presencial
O retorno presencial às aulas nas escolas estaduais do Rio Grande do Norte está acontecendo de forma gradual desde o dia 26 de julho, após um longo processo de discussão com os professores, que chegaram a ameaçar greve e cobrar imunização completa para retorno presencial das atividades.

No último dia 04 de outubro, todas as escolas do Estado, públicas ou privadas, foram autorizadas a ter a presença de 100% dos estudantes. De acordo com a SEEC, um grupo de 30 unidades ainda não retornaram as aulas presenciais, afetando cerca de 6 mil estudantes, em virtude de reformas e adequações.

Em Natal, as aulas voltaram no dia 14 de julho, com crianças das turmas da pré-escola. Das 146 unidades de ensino da capital, entre Centros Municipais de Ensino Infantil e escolas do ensino fundamental, 28 delas ainda não retornaram as atividades, em virtude de problemas estruturais. 

Dificuldades
Adaptar-se a uma nova realidade de ensino e aprendizagem não foi uma tarefa simples para estudantes potiguares. Ao passo em que muitos citam a dificuldade de foco e concentração como principais questões que atrapalharam a adaptação do ensino remoto, muitos sequer possuíam celulares ou equipamentos eletrônicos para acompanhar as aulas.

Além disso, a falta da presença do professor no dia-a-dia desestimulou muitos estudantes, conforme cita o secretário Getúlio Marques. As realidades de cada um também são obstáculos. O estudante Elienai Jonatha de Melo, 17 anos, natalense, teve dificuldades para acompanhar as aulas e precisou começar a trabalhar na pandemia.

“Pra mim foi difícil pelo  planejamento, porque teve alunos, como eu, que não só estudam. Cuido da casa, trabalho com meu pai, e pra mim o planejamento e acompanhamento poderia ser melhor. E não ser a aula presencial, conversando com o professor foi mais difícil”, explica, acrescentando que assistiu muitas aulas pelo celular, mas que “pela falta de tempo” se sentiu inapto a prestar o Exame Nacional do Ensino Médio no ano passado. 

Para a acariense Kelly Raiane Brito, 17 anos, as aulas remotas não foram suficientes para ter uma boa nota no Enem do ano passado, já que quer cursar Fisioterapia ou Medicina Veterinária. À época no 2º ano, ela diz que a volta presencial tem melhorado seu aprendizado.

“Convivi com colegas, precisei ajudar alguns, que não entendiam o assunto ou com dificuldade em alguma atividade. Eu acho que aqui funcionou 50%. Nem todas as aulas os alunos estavam presentes, não conseguíamos assistir direito pela internet”, explica. 

Professor sugere contraturno e acréscimo de aulas
Capacitações, planejamentos específicos para cada escola e contraturnos e acréscimos de aulas. Essas são as sugestões e propostas de especialistas e professores que vivenciam a educação do Rio Grande do Norte para a recuperação do período de pandemia. 

Para o professor Gustavo Fernandes, mestre e doutor em Educação e docente de pedagogia da Uninassau, o uso do ensino híbrido e da tecnologia nas escolas será cada vez mais presente. Ele reforça ainda a singularidade de cada realidade e que os prejuízos em cada escola serão diferentes, assim como o ritmo de recuperação. 

“Primeiro que as escolas vão ter que readequar seu projeto político-pedagógico, porque os que existiam antes não servem mais para o que está sendo vivido agora”, cita.

Ele aponta, por exemplo, que os conteúdos curriculares também precisarão ser revisados. “Vão ter que ser revisados, não da pra continuar de onde parou. Algumas sugestões são aulas particulares, paralelas, contraturnos, de repente o aluno vivenciar um tempo integral, estudar de manhã um conteúdo e no outro turno revisitar os conteúdos do período remoto. São estratégias”, sugere. 

A professora e pesquisadora Denise Maria de Carvalho Lopes,  do Departamento de Fundamentos e Políticas da Educação da UFRN, defende que a busca ativa não deve ser a única medida adotada pelos gestores em educação. 

“É levantar quais são as necessidades e priorizar elementos para que as escolas tenham condições de atender os alunos, em cada sala, em cada turma. É do geral para o específico e vice-versa o tempo inteiro”, cita. 

A pesquisadora cita que outro prejuízo da pandemia foi uma “transferência de responsabilidade” que ocorreu na pandemia de coronavírus, uma vez que ficou a cargo dos alunos e das famílias a busca pelo conhecimento e pelas aulas remotas. 

“Que possibilidades temos para esses alunos vivenciem experiências e recuperar aprendizagens que foram aprendidas? É propiciar material, equipamentos, internet,  formação necessária. Não basta contratar pessoal, é formar essas pessoas concomitantemente para as necessidades que forem surgindo”, acrescenta. 

TRIBUNA DO NORTE