Internet, o novo ópio

 


Editorial do Novo Notícias - 

A vida parou no clique. E isso aconteceu não apenas no milésimo de segundo marcado em uma imagem digital criada, pensada e distribuída com o intuito de agradar. A vida parou desde que os olhos foram obrigados a utilizar as barreiras dos displays, do viewfinder dos dispositivos eletrônicos que determinam as cores que o momento – que deveria ser vivido em toda naturalidade – ganha tons que agradem e melhor entreguem o momento, não para nossa própria memória, mas para os outros.

As redes sociais se tornaram o novo ópio. Elas causam euforia, dependência seguida de decadência física e intelectual. E todos nós estamos envolvidos nessa náusea coletiva da contagem de curtidas e dos bons comentários. É uma dependência insaciável pela aceitação.

Colocamos filtros nas nossas vidas. Não conseguimos mais encontrar as marcas nos rostos, aquelas produzidas não só pelo cansaço ou pela idade, mas as marcas que surgem a partir do sorriso. Não sabemos mais qual a cor real da pele, dos lábios, o tamanho dos olhos.

Quem dera todo o mal causado pelas redes sociais fosse só essa desfiguração da realidade. Como o ser humano sempre se supera, passamos a conviver com o modelo mais nefasto de relação entre as pessoas; o ódio gratuito.

A proliferação dos haters, os que odeiam gratuitamente, não é um desvio da internet. Ela é a clareza da alma de muita gente, a mistura de um sentimento de degradação e de inveja. A internet apenas oportunizou que esses sentimentos desviados do bom senso tivessem a oportunidade de ecoar pelo mundo.

Não basta não gostar do que se observa. Não basta ignorar o que desagrada. Tornou-se essencial a opinião agressiva, nociva e destrutiva. Somos obrigados a conviver com a “performance do gosto” ou a sofrer as consequências do ataque gratuito com ódio, difamação e irracionalidade.

Até o ativismo, tão importante para que as barreiras quase intransponíveis da aceitação possam cair, acaba sendo usado para destilação insana de ataques de ódio. O mundo da internet se tornou um corredor escuro com pessoas atirando a esmo. E as vítimas só aumentam.

No livro Número Zero, o escritor Umberto Eco traduz uma realidade onde a comunicação é usada para construir um processo difamatório, mentiroso e sem ética, a partir do qual se destrói ou se constrói reputações de acordo com os interesses de quem comanda o “Amanhã”, um veículo de comunicação comandado por um magnata sem escrúpulos.

O romance de Eco apresenta uma realidade que hoje não está entregue a um magnata, mas está nas mãos de cada pessoa que navega pela rede. Essa possibilidade criou um exército completamente idiotizado de pessoas doentes, incansáveis em atacar a honra dos outros.

Só há uma solução para que haja o mínimo de equilíbrio em meio a essa pandemia de ódio: a criminalização. A internet precisa parar de ser terra de ninguém. Nenhuma mudança nas leis punitivas surtiu qualquer efeito até o momento. É preciso ser mais rígido e combativo para que possamos ter de volta uma sociedade menos doente. O único remédio que o irracional conhece é o da punição.

Mas, até que possamos evoluir para ações mais concretas no sentido de impedir o linchamento moral – e isso será sempre muito lento – precisamos nos cuidar. É preciso que cada um faça sua parte, seja na formação dos filhos para que a geração que parece perdida se reencontre, seja na nossa própria postura diante da exposição das nossas vidas.

A lição de respeito, de “se não gostar não curta”, não pode ficar diretamente ligada à tragédia, onde só aprendemos quando dói. A sociedade não pode esperar a martirização de quem se sacrifica em um ato absolutamente desesperador para que comece a repensar suas atitudes. É preciso fazer mais. Combater o ódio e pregar o respeito se tornou essencial.

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