Pacientes no RJ são os primeiros do país a receber plasma sanguíneo contra Covid-19


Foto: Ana Lucia Azevedo
Duas mulheres e um homem com Covid-19 internados em estado grave no Instituto Estadual do Cérebro (IEC), no Rio, tornaram-se no último fim de semana os primeiros pacientes do Brasil a receber o tratamento experimental com infusão de plasma de convalescentes contra o coronavírus. O trabalho reúne, além do IEC, o Hemorio e o Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A infusão do plasma doado por pessoas que tiveram Covid-19 e se recuperaram tem obtido bons resultados em testes nos EUA e em outros países. O procedimento é visto como uma esperança para salvar vidas de doentes em estado crítico, posto que ainda não existe tratamento específico contra o coronavírus.
As mulheres, de 62 e 63 anos, e o homem, de 34, estão na UTI e são mantidos vivos com ventilação mecânica. Eles receberam o plasma de um único doador, o médico hematologista Ruddy Dalfeor, de 30, que teve a doença no mês passado e fez a doação na sexta-feira. Até o fim da próxima semana, outros 17 pacientes receberão a infusão de plasma. Se essa primeira etapa tiver êxito, o teste será ampliado para mais 80 doentes. Se aprovado, o tratamento será usado no Rio contra a Covid-19 grave.
Num exemplo de solidariedade, somente ontem, o Hemorio, que coordena o tratamento experimental, foi procurado por mais de 600 pessoas que se cadastraram para doar plasma.
— Estamos otimistas de que o tratamento terá bons resultados nessa primeira etapa de testes e irá adiante — afirma o diretor do Hemorio, Luiz Amorim.
Na UTI há três dias
O tratamento experimental com plasma de convalescentes é uma iniciativa da Secretaria de Estado de Saúde. Ele tem coordenação do Hemorio, onde os voluntários são recrutados e o plasma é colhido. O material passa por uma primeira bateria de testes e, depois, se aprovado, é preparado para a infusão nos pacientes.
A UFRJ faz os exames que detectam se o possível doador tem anticorpos capazes de deter o novo coronavírus. O IEC, onde estão internados na UTI 40 pacientes muito graves de Covid-19, aplica o tratamento. Setenta por cento desses pacientes não são idosos, como é o caso do homem de 34 anos.
— É uma boa notícia para o Rio, dará ao estado mais recursos para lutar contra o coronavírus. Já estamos analisando novos possíveis doadores e teremos o resultado até sexta-feira — diz Amilcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, cujo trabalho teve o apoio da Faperj.
São selecionados para o procedimento pacientes internados na UTI há não mais do que três dias. O supervisor da UTI do IEC, Pedro Kurtz, explica que isso é feito porque os anticorpos presentes no plasma atuam contra a multiplicação do coronavírus nas células. Quando este já está disseminado e a Covid-19 avançou para um quadro de inflamação generalizada, o plasma já não seria tão eficiente.
— Esses pacientes que estão com o pulmão gravemente afetado não conseguem mais respirar sem ventilação mecânica, mas o coronavírus ainda não se espalhou para outros órgãos. O nosso objetivo é impedir a piora do comprometimento do pulmão e que outros órgãos sejam atingidos. Queremos reduzir a gravidade da doença — afirma Kurtz.
Os pacientes tratados serão avaliados por meio de coletas de amostras de secreções pulmonares, sangue, exames clínicos e tomografia. Os anticorpos presentes no plasma podem atacar o coronavírus e impedir que ele se multiplique, isto é, não deixariam a carga viral (ou a concentração de vírus) aumentar.
A infusão de plasma é um recurso antigo da medicina e já foi usada contra a gripe espanhola, há um século. O tratamento oferecido agora parte do mesmo princípio, mas é feito de forma mais precisa e segura, ainda que artesanal. A infusão em si é uma transfusão simples de plasma que não leva mais do que meia hora. Neste caso, cada paciente recebeu 200 mililitros de plasma.
Não é qualquer pessoa que teve Covid-19 que pode doar — assim como não é qualquer anticorpo que se presta para o tratamento. É preciso ter alta concentração dos chamados anticorpos IgG neutralizantes do coronavírus. Mas nem todos que tiveram Covid-19 apresentam esses anticorpos.
O imunologista Orlando Ferreira, cientista do laboratório da UFRJ, explica que nem toda pessoa que teve a doença terá IgGs com ação neutralizante. Estes são muito específicos para a espícula do coronavírus, a proteína com a qual ele se liga e invade as células. O anticorpo neutralizante não apenas se liga à espícula, mas também impede que o coronavírus entre nas células.
— Esse anticorpo fecha a porta de entrada nas células para o coronavírus. A análise que fazemos busca não apenas esse anticorpo, mas também mede se é abundante. O soro precisa ter o anticorpo em boa quantidade. Quando injetado, ele distribui os anticorpos pela circulação sanguínea do doente. Esperamos que possa atacar o coronavírus — salienta o cientista.
Orlando Ferreira observa que, além de tratar os pacientes, o estudo abre caminho para avaliar a capacidade de uma vacina para neutralizar a ação do novo coronavírus.
O Globo