Não leia este artigo, pode ser desconfortável para você - Artigo de Paulo Góis

 


*Por Paulo Góis - Jornalista e Psicólogo 

O estudo do comportamento humano tornou-se o centro da minha paixão intelectual. A psicologia, enquanto ciência, oferece os fundamentos teóricos e metodológicos necessários para compreender o sujeito em sua totalidade — não apenas como indivíduo isolado, mas como ser que constrói, interpreta e é influenciado pelo universo simbólico e social que o cerca. Nesse horizonte, emerge o interesse por investigar como o contexto contemporâneo, marcado pela presença constante da tecnologia, tem transformado os modos de ser, de pensar e de se relacionar.

Um dos fenômenos que mais evidenciam essa transformação é a nomofobia, entendida como o medo ou a ansiedade intensa diante da impossibilidade de utilizar o smartphone ou manter-se conectado. Mais do que um simples distúrbio comportamental, a nomofobia reflete a crescente dependência tecnológica e a integração simbiótica dos dispositivos digitais à vida cotidiana. Entre suas manifestações, observam-se irritabilidade, angústia, inquietação e sensação de isolamento social — sintomas que revelam a fusão entre o sujeito e a tecnologia na constituição da experiência subjetiva e social. Essa fusão, entretanto, expõe mecanismos psíquicos profundos de busca por prazer e reconhecimento.

Esse vínculo simbiótico não é neutro. O uso excessivo das telas, frequentemente associado à dependência digital, tem contribuído para a redução da capacidade reflexiva e o enfraquecimento do senso crítico. A exposição constante a estímulos imediatos e superficiais restringe a atenção e induz formas de pensamento automatizadas, que dificultam a elaboração simbólica e o exercício da análise. Compreender essa relação paradoxal exige retornar às bases do funcionamento psíquico: quanto mais o sujeito busca satisfação imediata, mais vulnerável se torna à alienação de si mesmo.

A psicanálise oferece importantes chaves para compreender esse processo, especialmente a partir das formulações de Sigmund Freud sobre o princípio do prazer. A partir dessas concepções, estudiosos posteriores desenvolveram a metáfora da “máquina da felicidade”, que sintetiza a tendência do aparelho psíquico em buscar constantemente a satisfação e evitar o desprazer. Essa dinâmica encontra, na sociedade de consumo, um terreno fértil para sua expansão e manipulação.

Essa manipulação foi levada a um novo patamar com Edward Bernays, sobrinho de Freud e criador das relações públicas modernas. Bernays apropriou-se dos princípios psicanalíticos para elaborar estratégias de persuasão voltadas ao consumo e à formação da opinião pública. A partir daí, o inconsciente coletivo passou a ser direcionado por mecanismos simbólicos que estimulavam o desejo e a busca incessante por prazer, transformando o ato de consumir em uma via ilusória de realização pessoal e construção identitária. Surgiu, então, o que Bernays denominou “engenharia do consentimento”: um modelo de controle social que, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, utilizou técnicas psicológicas e comunicacionais para moldar comportamentos, preferências políticas e estilos de vida. A publicidade e a propaganda deixaram de apenas vender produtos — passaram a vender ideologias, afetos e modos de existir.

Nesse cenário, a lógica do prazer desloca-se do consumo material para o consumo de visibilidade. A observação do escritor Umberto Eco torna-se particularmente pertinente: as redes sociais, segundo o autor, “deram voz a um exército de ignorantes”. Essa constatação sintetiza um fenômeno atual em que a ignorância deixa de ser constrangimento para converter-se em identidade social e algo que dá prazer. A cultura do conhecimento, antes associada ao prestígio do saber e à valorização da leitura, cede espaço à cultura da visibilidade e da opinião instantânea. O espaço digital, que poderia ampliar o acesso à informação e promover o pensamento crítico, transformou-se em uma arena de discursos passionais, onde o imediatismo substitui a reflexão e a emoção prevalece sobre a razão.

Desse modo, a sociedade da informação deu lugar à sociedade da desinformação, marcada pela ostentação da ignorância — um fenômeno em que o desconhecimento é exibido como virtude e recompensado pela lógica algorítmica das plataformas, estimulando a dopamina. O ignorante contemporâneo não se esconde: ele se afirma, transforma o desinteresse pela verdade em estilo de vida e encontra nas redes o palco ideal para a autopromoção. Frases simplificadas e certezas infundadas circulam com mais força que o conhecimento fundamentado, pois o saber exige tempo, contexto e complexidade — elementos que colidem com a lógica da velocidade e do engajamento.

No cerne dessa inversão de valores, a questão central não é apenas quem fala, mas quem a sociedade escolhe ouvir. Cabe, portanto, àqueles comprometidos com o pensamento crítico resistir à tentação do ruído e reafirmar o compromisso ético com a verdade, a reflexão e a formação consciente do sujeito. Em tempos de algoritmos e ilusões, pensar continua sendo o mais subversivo dos atos.