Audiência no Legislativo aborda pautas da Marcha das Mulheres Negras

11/11/2025

“Mulheres em marcha enfrentando o racismo por igualdade, direitos e pelo bem viver”. Esse foi o tema central da audiência pública realizada, na tarde desta terça-feira (11), no auditório da Assembleia Legislativa do RN (ALRN). O debate foi proposto pela bancada do PT, que é composta pelas deputadas Isolda Dantas e Divaneide Basílio, bem como por Francisco do PT.

O deputado Francisco iniciou sua fala demonstrando sua honra “por estar apoiando uma causa tão nobre”.

“Eu me sinto muito feliz por me somar a mulheres que compõem uma luta tão bonita, em defesa da igualdade e contra o racismo, que marcharão até Brasília em busca de políticas que possam melhorar cada vez mais a vida de cada uma de vocês - e de todos nós”, disse.

De acordo com o parlamentar, o propósito da audiência é discutir não apenas o combate ao racismo, mas apoiar uma luta estrutural.

“Este é um enfrentamento que atravessa a cultura, a economia, a política e principalmente as condições de vida do nosso povo. Já tivemos avanços significativos através de políticas implementadas pelos governos Lula e Dilma, mas reconhecemos que precisamos ir além e avançar cada vez mais. Então, a gente deseja que esta audiência seja um encontro onde nós possamos ser chamados à ação e saiamos comprometidos a enfrentar o racismo de forma permanente, e não apenas de maneira esporádica”, enfatizou.

Antes dos demais discursos, foi recitado um poema de Jarid Arraes, em homenagem às mulheres negras do RN.

Em seguida, a professora e advogada Ivaneide Paulino, membro do Comitê de Mulheres Negras Potiguares, contextualizou o processo de organização da marcha.

“A gente costuma dizer que a marcha começou quando a primeira mulher foi escravizada no Brasil. Ela não é de 2015 ou 2025, é um processo que ocorre desde sempre. E essas políticas que nós buscamos há muito tempo, para que as mulheres negras tenham mais espaço na sociedade, a gente sistematizou de forma mais potente e organizada, em 2015, na primeira Marcha Nacional de Mulheres Negras, em Brasília, quando reunimos mais de 100 mil mulheres”, destacou.

Ivaneide Paulino fez uma comparação das funções e postos de trabalho ocupados por mulheres negras e algumas integrantes do movimento - em 2015 e atualmente.

“Naquela época, nós não tínhamos nenhuma mulher negra na ALRN - e hoje nós temos. Giselma, por exemplo, que estava na luta em 2015, hoje está nos representando na Coordenadoria Estadual de Igualdade Racial. Tudo isso são simbologias do processo de avanço que nós estamos tendo ao longo desses anos de luta, que culmina agora, em 2025, com essa segunda marcha nacional”, afirmou.

Finalizando sua fala, ela explicou o motivo da marcha ser especificamente voltada para mulheres negras, dizendo que “infelizmente, nós precisamos tratar das nossas pautas de maneira separada, já que as lutas gerais das mulheres quase nunca nos contemplam”.

Continuando os pronunciamentos, Ana Maria Costa, representante do Comitê de Mulheres Negras da CONEN (Coordenação Nacional de Entidades Negras), contou que o órgão foi criado em 1989, sendo uma das principais entidades de articulação política do movimento negro.

“A CONEN reúne diversas organizações coletivas e lideranças negras de todo o país, a fim de fortalecer a luta por igualdade racial, justiça social e reconhecimento das contribuições históricas da população negra na formação do Brasil”, acrescentou.

Para Ana Maria Costa, “falar sobre identidade negra é falar sobre resistência”.
“E a mulher negra se destaca como uma resistência que se reinventa e continua na luta. Então, no próximo dia 25 de novembro, mais de um milhão de mulheres negras de todo o Brasil se encontrarão em Brasília para participar da nossa segunda marcha nacional - por reparação e bem viver”, ressaltou.

Ainda segundo a militante, a marcha reafirma o compromisso com a reparação histórica e com o bem viver, conceito que simboliza uma vida digna, sem violência e com acesso a saúde, educação, trabalho, moradia digna e participação política.

“Nós exigimos políticas públicas específicas de enfrentamento ao racismo e ao patriarcado, além de igualdade salarial e medidas concretas de proteção às mulheres negras. Se no passado a resistência era pela liberdade, hoje a resistência se soma à reparação e ao bem viver de toda a população negra”, concluiu, complementando que “a luta pela reparação e pelo fim da discriminação deve ser um compromisso não apenas dos negros, mas de toda a sociedade brasileira”.

Na sequência, representando o Comitê LBT de Mulheres Populares de Periferia, Maria Goretti Gomes reforçou que a ida das mulheres negras potiguares até Brasília tem o objetivo principal de “lutar por igualdade e bem viver”.

“No dia 25 de novembro, Brasília será tomada por vozes, tambores, artistas. Muita gente, de todos os estados, está indo para lá, e nós não poderíamos ficar de fora. E todas as mulheres que estão aqui são autoridades históricas do movimento de mulheres negras do RN”, frisou a integrante da mobilização.

Sobre reparação histórica e bem viver, a representante do comitê LBT elucidou que “é o reconhecimento e a ação diante dos danos causados pela escravidão, pelo colonialismo e pelo racismo estrutural que ainda perduram”.

“Reparar significa redistribuir poder, recursos e oportunidades. Significa garantir acesso a educação, saúde, território, cultura e participação política real. Implica justiça, verdade, memória e transformação social. Os povos afrodescendentes construíram as bases econômicas e culturais da nossa nação, mas foram sistematicamente excluídos. A reparação exige, portanto, reconhecer essa dívida histórica e saldá-la com políticas públicas eficazes”, falou.

A respeito especificamente das mulheres negras, Maria Goretti Gomes afirmou que elas têm vivido múltiplas violências: racismo, sexismo, pobreza e silenciamento.

“E a reparação feminista busca também curar essas feridas. Reparar é repensar como educamos, como representamos e como governamos. É desmontar os privilégios que sustentam o racismo institucional e construir sociedades onde ninguém fique para trás. A reparação não é o fim do caminho, mas o início de uma nova história, onde a dignidade é o centro e o bem viver é a meta - e uma forma de entender a vida em comunidade, onde ninguém vive bem se o outro viver mal”, finalizou.

De acordo com a representante do Comitê de Mulheres Negras de Axé, Ya Tobíinán Luciene de Oya, a Marcha das Mulheres Negras é, para os povos tradicionais de matrizes africanas e afroameríndios, um marco de fortalecimento das agendas e políticas.

“Nós entendemos que os nossos povos e, principalmente, as nossas mulheres ainda vivem no topo do racismo, da intolerância e da violência. Ser mulher negra neste país já é muito difícil. E ser mulher negra de Axé é praticamente impossível. Tudo que fazemos incomoda”, lamentou.

Falando sobre as marchas, Ya Luciene de Oya comentou que em 2015 houve poucas mulheres presentes, por falta de visibilidade, apoio e condição financeira.

“Mas voltamos de lá mais fortes. Agora, em 2025, nós retornamos para a segunda marcha mais decididas e sabendo o que queremos”, completou.

Para ela, fortalecer as mulheres negras e de Axé “é um compromisso do Estado e de toda a sociedade”.

“E é muito importante que o povo do Rio Grande do Norte entenda isso. Nós somos mulheres, somos mães, somos negras, somos resistência e somos luta. E eu tenho certeza de que voltaremos de Brasília mais conscientes e fortes, para continuar nossa luta em defesa dos nossos povos”, concluiu.

Em seguida, a representante da Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (COEPPIR) e da SEMJIDH (Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos), Giselma Maria Sacramento da Rocha, argumentou que “a marcha das mulheres negras é uma mobilização que diz respeito às nossas construções, à nossa realidade e ao processo de reparação que a população negra precisa, mas também serve para ensinar à sociedade machista, racista e patriarcal que nós temos caminho para o bem viver - e precisamos de toda a sociedade para isso”.

Ela lembrou também que em 2015 a marcha “não foi tão pacífica”.

“Nós precisamos estar preparadas para tudo, porque em 2015 nós fomos confrontadas e houve violência, sim. Mas a nossa união e a condução das nossas líderes naquele momento foram muito importantes. No final, deu tudo certo”, disse.

Concluindo seu discurso, Giselma da Rocha destacou que o Governo do Estado já encaminhou, para a ALRN, o projeto de lei sobre o Fundo Estadual de Promoção da Igualdade Racial.

“Então, nós desejamos que esse projeto seja aprovado, já que é um caminho que vem sendo debatido nacionalmente. Porque, para falar de reparação e bem viver, é preciso que as nossas ações sejam materializadas, e isso só é possível com recursos”, finalizou.

Dando continuidade à audiência, foi a vez da presidente da Comissão Especial de Promoção à Igualdade Racial da OAB/RN - Mikaelle Costa – externar sua felicidade por fazer parte deste momento histórico.

“Eu me emocionei muito ao ouvir todas vocês. E eu estava refletindo ali, sentada, onde eu estava em 2015. Eu me lembrei de que estava concluindo o curso de Direito. E por isso eu queria reverenciar e honrar todas vocês que vieram antes de mim. Muitíssimo obrigada. Sem vocês, com certeza eu não estaria aqui hoje”, afirmou.

Segundo a advogada, “do mesmo jeito que 10 anos atrás não existia uma mulher negra no Legislativo para nos representar; na OAB, três anos atrás, não havia uma comissão de igualdade racial na instituição. E hoje eu estou aqui, representando a Ordem, como presidente dessa comissão”.

“Além disso, eu quero compartilhar com vocês a história da primeira advogada negra do Brasil: Esperança Garcia. Ela foi uma mulher escravizada do século XIX, no Piauí, e foi reconhecida pela OAB, recentemente, como a primeira advogada do nosso país. Esperança Garcia escreveu uma carta ao governador da época, denunciando violências contra ela e sua família, e reivindicando direitos, com uma linguagem jurídica – o que é visto como símbolo de resistência e pioneirismo na defesa da justiça e dos direitos humanos no Brasil”, finalizou, convidando todos para a audiência pública que acontecerá na OAB, na próxima terça-feira (18), com o objetivo de discutir soluções para a intolerância religiosa no Estado, já que, segundo ela, “estão ocorrendo muitas denúncias ultimamente”.

Membro do Comitê de Mulheres Negras GRIOTS, Mara Jovanka Rodrigues se definiu “muito feliz em saber que novos rostos, novas pessoas e novas guerreiras estão conosco”.

“Não foi fácil enfrentar a marcha em 2015. Tínhamos pouca gente e pouco apoio. E hoje, em 2025, quando eu vejo seis comitês e tanta gente presente aqui, isso me deixa muito fortalecida. Nunca foi fácil lutar por políticas públicas de questões raciais no RN. E isso tudo me deixa pronta para um novo combate ao lado de 1 milhão de mulheres em Brasília. Para que nada mais seja decidido sem a nossa presença”, disse.

Mara Rodrigues explicou também que “GRIOTS”, em Yorubá, significa “as mais velhas”, “as mais experientes”.

“Elas são as mulheres que nunca saíram da trincheira. E é também por elas que eu estou à frente deste comitê”, concluiu.

Em seguida, a deputada federal Natália Bonavides conversou com os presentes, por videochamada, afirmando que “o movimento da Marcha das Mulheres Negras está sendo muito fantástico”.

“É muito bom a gente ver movimentos se potencializando a partir de uma pauta como essa, que é tão estruturante. Não é possível falar de nenhum tema de justiça social e igualdade, se a gente não entende o quanto a nossa sociedade é organizada a partir de discriminações e desigualdades, e entre essas estão as de raça, classe e gênero”, ressaltou a parlamentar, anunciando que conseguiu mais um ônibus para levar as integrantes do movimento até a capital federal.

“Eu sei que vocês já estão com muita gente mobilizada e que é uma luta grande para chegar lá, então a gente espera que esse ônibus contribua bastante e que o RN chegue forte e bem representado. Viva a marcha das mulheres negras! Viva as mulheres negras potiguares! A gente se encontra em Brasília!”, garantiu.

Também através de chamada de vídeo, falando de Caicó, a deputada estadual Isolda Dantas externou sua alegria em ver todo o processo de construção das mulheres potiguares para a marcha do dia 25.

“Mais do que nunca, existe uma grande necessidade desse movimento, porque, se o mundo está mais violento, conservador e à extrema direita, isso tem um resultado de mais desigualdade e racismo, especialmente para as mulheres negras. Elas sofrem mais violência de gênero e são as mais pobres, infelizmente. Mas eu tenho certeza de que o resultado dessa marcha será extremamente positivo para o RN e para o Brasil. Nós teremos, sim, uma forte frente em prol de uma sociedade antirracista, com igualdade e, acima de tudo, que abandone toda essa herança colonial que coloca a violência e a pobreza com mais força sobre as mulheres negras. Portanto, eu fico muito feliz com todo esse movimento! Parabéns a todas! Vamos à luta!”, concluiu.

De acordo com Divaneide Basílio, “nós somos filhas da resistência”.

“Essa marcha é mais que um movimento, é um grito político, é um grito de força das mulheres negras, juntas, vindas do país inteiro, falando da nossa potência, do nosso corpo e com a nossa voz que o nosso trabalho importa, a nossa existência importa, que estamos vivas, somos potentes e vamos marchar!”, destacou a deputada.

Finalmente, de acordo com a representante do Comitê Impulsor Estadual de Mulheres Negras do RN, Elizabeth Lima da Silva, “nós queremos mudar esta sociedade”.

“Nós não somos conformadas. A gente move pedra, joga para cima e não aceita as condições que esta sociedade nos impôs. Nós somos descendentes de um povo que nos fortaleceu e queremos romper qualquer parâmetro de eurocentrismo, porque essa concepção de sociedade não nos pertence”, asseverou.

Segundo a militante, o movimento negro é educador e não começou há pouco tempo.

“Nós não estamos começando nossa luta no século XXI - nem no dia 11 de novembro de 2025. Muita gente veio antes de nós. Muitos deram suas vidas. Então, eu agradeço a todos aqui presentes - e ao suporte dos nossos parlamentares propositores desta audiência. Portanto, vamos para a marcha mostrar todo o nosso potencial!”, finalizou.

Ao final do evento, a deputada Divaneide citou como encaminhamento “dar continuidade ao movimento e às suas pautas, após a realização da marcha”. E o encontro foi concluído com uma apresentação musical no ritmo do “Coco das nêgas potiguares”.