Redução de homicídios no RN não se reflete em todas as formas de violência
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Violência contra a mulher cresceu 50% no RN – Foto: Alex Régis/TN |
Na última quinta-feira, 18, foi noticiada pela imprensa uma redução significativa nos índices de violência do Rio Grande do Norte (RN), a partir dos dados da 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024. No entanto, essa redução não se refletiu em todas as formas de violência, especialmente contra mulheres, o que mostra uma complexidade preocupante no cenário da segurança pública estadual.
Karina Cardoso Meira, professora do Programa de Pós-Graduação em Demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGDem/UFRN), explica que, embora tenha havido uma diminuição de 13,9% nas mortes violentas intencionais (MVIs) no RN, os dados referentes à violência contra a mulher contam uma história diferente. Em 2023, os feminicídios aumentaram 50% em relação ao ano anterior, as tentativas de homicídio contra mulheres cresceram 23,8%, e as tentativas de feminicídio subiram 13,5%.
Além disso, a violência doméstica aumentou 13,3%, as ameaças contra mulheres ampliaram-se em 20%, e os casos de perseguição (stalking) tiveram um acréscimo de 51,8%. Os estupros aumentaram 10,9%, com um crescimento de 32,5% nos casos envolvendo vítimas vulneráveis.
Vittorio Talone, pesquisador de pós-doutorado vinculado ao PPGDem/UFRN, corrobora com esses dados e acrescenta que o aumento mais alarmante foi nos casos de estupro de vulneráveis, que subiram 97,9%, o que representa 95 casos em 2023. Além disso, o pesquisador destaca que 71,1% das vítimas de feminicídio e outras MVIs são mulheres de 18 a 44 anos, enquanto as principais vítimas de estupro e estupro de vulnerável são crianças (29,1%) e adolescentes (48,5%).
Karina ressalta ainda que a violência contra mulheres negras é desproporcionalmente alta. Nos casos de feminicídio e homicídio feminino, mais de 60% das vítimas foram mulheres negras. No Brasil, a chance de uma mulher negra ser assassinada é 1,7 vezes maior do que a de uma mulher não negra, e em alguns estados do Nordeste, como Alagoas, essa chance é 7,1 vezes maior. No Rio Grande do Norte, a possibilidade de uma mulher negra ser vítima de homicídio é 64% maior do que a de uma mulher não negra.
Furtos e estelionatos aumentam
Enquanto os homicídios dolosos caíram de 996 para 842 no RN, representando uma redução de 15,5%, e os latrocínios diminuíram 12,5%, o número de vítimas de lesão corporal seguida de morte aumentou 5,2%, ou seja, de 77 para 81 casos. Os furtos de celulares e os casos de estelionato também aumentaram, respectivamente, 4,7% e 0,3%.
Vittorio Talone observa um crescimento significativo nos registros de injúria racial, que passaram de sete casos em 2022 para 140 em 2023, uma variação de 1.900%. Os registros de racismo também aumentaram, de 46 para 205, uma variação de 345,7%. Esses números indicam um aumento preocupante da violência racial. Houve um crescimento também na violência por homofobia ou transfobia no estado.
Por outro lado, podem estar associados a uma melhoria nos registros desse tipo de ocorrência. Afinal, havendo maior conscientização da sociedade e do poder público sobre esses tipos de crimes, há de se ter também um aumento dos registros. Ou seja, não significa necessariamente que em 2022 esses casos não existiam, mas que apenas não foram registrados.
Mortes de policiais acende luz amarela
Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 revelam ainda um aumento alarmante, de 100%, nos suicídios de policiais no Rio Grande do Norte em 2023, comparado ao ano anterior. Além disso, enquanto houve uma redução geral de 13,94% nas mortes violentas intencionais, as mortes de policiais em serviço ainda representam uma preocupação significativa. Esse cenário destaca o elevado risco e o estresse intenso a que esses profissionais são submetidos diariamente, sublinhando a necessidade urgente de políticas de apoio psicológico e melhores condições de trabalho para os agentes de segurança pública.
Por outro lado, as mortes decorrentes de intervenções policiais, muitas vezes controversas, apresentaram uma redução significativa de 14% no estado entre 2022 e 2023. Esse tipo de morte inclui os casos em que policiais, em serviço ou fora dele, se envolvem em confrontos que resultam em óbitos. A diminuição desses eventos pode refletir um aprimoramento nas abordagens e na formação dos agentes de segurança, mas também levanta questões sobre a transparência e a forma como esses incidentes são registrados e investigados. Apesar da queda, a necessidade de monitoramento rigoroso e de políticas de controle permanece essencial para garantir a legitimidade das ações policiais e a segurança da população.
De acordo com o demógrafo Ricardo Ojima, chefe de Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA/UFRN), é importante ressaltar que a mortalidade por violência tem importante impacto sobre a expectativa de vida da população, pois essas causas de morte afetam diferencialmente idades adultas jovens. “São vidas perdidas em plena idade produtiva e que potencialmente teriam ainda muitos anos de vida pela frente”, reforça.
RN investe mais em segurança
O RN apresentou a maior evolução nos gastos com segurança pública na Região Nordeste, passando de R$ 1,4 bilhão em 2019 para R$ 2,3 bilhões em 2023, uma variação de 58,4%. Nacionalmente, o RN é o nono estado em gasto per capita com segurança pública em 2023, superando as despesas com educação.
Em 2023, todas as unidades da federação alocaram mais recursos à segurança pública do que em áreas como habitação, meio ambiente, agricultura, assistência social, ciência e tecnologia, cultura e cidadania. No RN, os montantes destinados à segurança foram 4.520 vezes maiores do que os destinados ao esporte e lazer; e 344 vezes maiores do que os destinados à habitação e moradia. Isso aponta para uma aposta na repressão e punição, o que, no Brasil, normalmente significa uma barreira para a promoção de direitos básicos a grupos específicos de pessoas.
De acordo com Ricardo Ojima, há de se ressaltar que o RN foi o segundo estado brasileiro com maior queda nos índices de mortes violentas. É um bom indicador, mas não significa que os problemas tenham acabado ou que a segurança pública possa ser considerada uma questão menos relevante. “Há ainda muitos elementos a serem enfrentados e é fundamental analisar e acompanhar os dados com cautela e rigor. Não basta olhar os dados gerais, mas entender as suas nuances para avaliar os efeitos de políticas públicas e enfrentar os desafios de forma sistemática” reforça o pesquisador.
Fonte: Agecom/UFRN