Berg, o drible que faltou - Rubens Lemos Filho

 


Qualquer seja o campeão estadual de 2022, nenhum dos seus 22 jogadores terá sequer 5% do futebol passarinheiro do atacante Berg, um ídolo que me fez vibrar, cantar e chorar em excesso. Agora, por exemplo, as lágrimas rolam, torneira da alma aberta desde sábado quando chegou a notícia fulminante igual aos seus dribles curtos e finalizações fatais: Berg deu fim à vida, aos 62 anos, aumentando o luto pessoal que guardo no futebol.
Berg foi excepcional enquanto durou, dois campeonatos espetaculares, um ganho e outro perdido. Em 1978, saído de uma safra talentosa de juvenis, pontificava como a maior realidade ofensiva, acima das pretensões e esperanças potenciais.
Berg e o meio-campo Zezinho Pelé lideraram uma turma, certamente a última, formada no campo de areia de Morro Branco, uma das 500 sedes do ABC numa fase de renovação.
O ABC passou a contar com alguns veteranos e a base de casa. Berg e Zezinho, em 1978 cedido ao Bonsucesso (RJ) lideravam a geração composta por Joel, Dão, Gelson, Arié, Noronha, Beto, Tinho e William, safra que, pelo elenco adversário, teoricamente cumpriria tarefa no campeonato.
O América de Ivan Silva, maior lateral-direito da história potiguar, de Joel Santana, o Papai Joel, depois técnico do Vasco, Flamengo, Fluminense e trocentos clubes, Sérgio Poti, o genial Marinho Apolônio, o ponta-direita Ronaldinho Garrinchinha e o centroavante Aloísio Guerreiro, ex-Ceará, Fluminense, Santos e Botafogo, comprou fiado o título de bicampeão nascido no equilíbrio entre o delicado e violento da campanha de 1977.
Eis que o ABC forma ataque de franciscanos na magreza: Tinho, Jonas, nome bíblico e futebol santificado e Berg, indomável pela ponta-esquerda. E eles foram ganhando.
Começaram pelo Torneio Início, abertura do campeonato em uma tarde de todos jogando contra todos. De fora da área, no gol do antigo placar do Castelão(Machadão), Berg bateu seco, no canto do goleiro Bastos do Força e Luz. Ganhou manchetes o moleque de 18 anos, atrevido e com semblante franciscano.
O ABC venceu o primeiro e o segundo turnos, perdeu o terceiro e conquistou o impensável campeonato de 1978, impedindo o rival de ganhar a taça lógica, que nas quatro linbhas quer dizer coisa alguma. Berg despontou.
Em 1979, o invicto Flamengo de Zico, com 45 partidas sem perder, enfrentou um combinado potiguar. Berg não estava nem aí para o protótipo do melhor time do mundo. Botou para dançar o consagrado lateral-direito Toninho Baiano, da seleção brasileira da Copa de 1978, na Argentina.
Ao primeiro convite ao baile, Toninho partiu para tomar a bola. Levou um toque e ficou no meio do caminho. Na segunda investida de Berg, dividiu-o ao meio com sua chuteira de aros pontiagudos.
Berg jogou muito. Sim, mas a sempre forasteira opinião pública natalense achou pouco ou achou sorte. Veio o Vasco. O ABC contratou para o amistoso, Roberto Rivelino, driblador de placenta, para iluminar o meio-campo com Baltasar e Danilo Menezes.
Berg cansou de driblar o lateral Orlando Lelé e brilhou no cruzamento perfeito para o pequenino Noé Macunaíma empatar o amistoso em 1x1, superando o insuportável Emerson Leão, titular da seleção brasileira.
Berg levou porradas desleais. Na brilhante carreira de Ivan Silva, sempre haverá a mancha dos seus pontapés nas canelas delgadas do ex-juvenil que o balançava. Até cair. Berg perdeu em 1979 e 1980, no segundo ano, desperdiçando pênalti. Do ABC para o Náutico, onde seguiu alvejado por golpes assassinos.
O menino que tinha tudo para ter sido, foi o que suportou. Sempre o reencontrei para lembrar as peripécias que me faziam boquiaberto. Berg guardava um jeito comedido, sem sorriso farto. Farto ele ficou da vida, partindo num sábado solar como seu brilho.
Berg morreu vencido pela depressão. Dor mais aguda que a saraivada de golpes nas pernas. A depressão põe, cara a cara, solitários e insensíveis. Impõe o choro funesto quando, mais livre, igual a Berg partindo feito lança no verde campo, seria o remédio sem química da solidariedade.

Rubens Lemos
Jornalista