ARTIGO: O exemplo nietzschiano [übermensch] de vida plena - Diego Avelino de Macêdo
Por Diego
Avelino de Macêdo[1]
Provocado
por uma tempestiva vontade de escrever, após diálogo com o 1º Sargento
Medeiros, resolvi enveredar numa rota do pensamento nietzschiano quase sem fim.
A prolixidade do pensamento de Nietzsche é inigualável e misteriosa. Porém, fiz-me
valer do pouco descoberto na literatura para tratar sobre este assunto.
Com
o advento das políticas sociais, as quais estimam pelo gênero humano — em sua
plenitude ontológica — muitas ações precisaram readaptar-se rapidamente. Este
caráter humanitário tomou forma graças à força normativa presente nas
entrelinhas jurídicas. A obrigatoriedade das mudanças recaíra sobre as vontades
humanas, exigindo-se, com gozo e disposição pessoal, a assimilação dos elementos
presentes no ordenamento legal.
Como
de práxis, os comportamentos individuais, visionários dessa restauração
humanitária, necessitam da ética e moral como norte condutor. Estes dois
elementos convergem descomedida, quando o assunto for a inserção do homem na coletividade.
Não há como ser ético e/ou moral a partir de um isolamento social. Haveria
plausibilidade para tal? Portanto, é na sociedade que estamos nos (re)fazendo
membros humanitários.
Ademais,
o que dizer acerca da ética e moral? Este é mais recente, quando pensado em seu
surgimento “prático”; ao invés daquele que existiu desde os primórdios da
humanidade. Enquanto reflito, manifesto o espírito da eticidade. Por outro
lado, quanto mais busco fundamentar meus atos nas convenções sociais, por
exemplo: não roubar; não ultrapassar o sinal vermelho; vejo-me inerte diante da
moralidade.
Incrivelmente,
ética x moral gera sempre uma confusão axiológica entre elas. A
moralidade é fruto de um período histórico, onde o arrocho eclesiástico
medieval forjou a mentalidade dos homens imprimindo, por sua vez, novos
condutores e freios no agir. A sublevação teológica foi a mola perspicaz para
modificar os valores soberanos. A pureza da ética — diga-se, portanto, pagã —,
fecundada na mentalidade dos Hélas, deparou-se com uma moral embebida do
caráter judaico-cristã. Claro, que muito mais cristã.
Esta
moral, agora desprezando a energia da natureza e as potencialidades vitais
humanas, restringiu o sujeito a uma condição de mazela existencial. Nossos
valores morais (religiosos) destruíram a soberania dos valores regulamentadores
da existência. Eis, o julgo do joio transcendente diante das benesses de um
vindouro mundo, por exemplo, de um além-mundo da plenitude do ser. Mas, o herói
da pureza existencialista estar no übermensch (trad.: além-homem).
Por conseguinte, a
aparição deste referido super-homem [übermensch] no meio da humanidade
comum proporcionaria, para uma diversidade de indivíduos, a descoberta de um
sentimento de vitalidade que desvencilharia o ser humano das tradicionais
promessas finalistas, referentes à existência de um suposto mundo
suprassensível, a morada por excelência da plenitude do Ser.
(BITTERCOUNT, p. 53,
2016)
A
ascese vibração dos valores imanentes existentes na condição do übermensch
tornariam afirmativas as potencialidades humanas diante da decrépita
animosidade da moralidade transcendental. A interpretação do mundo, sob ótica
do übermensch seria lúcida para a elevação das forças criativas e
sexuais do corpo. Esses fatores estão inerentes à constitucionalidade da
natureza humana; todavia, foram rejeitadas pelas amarras de uma moralidade
sufocante e pesarosa. Sim, uma moral encharcadiça do medo, culpa, ressentimento,
dentre outros. Estes elementos são os responsáveis pela destruição da pureza
dessa imanente condição primeira do homem.
o anticlericalismo nietzschiano decorreria do fato de que os séculos
pelos quais passou a humanidade sob os ditames cristãos teriam servido para
confundir fraqueza por força e degeneração por virtude, de modo que os valores
que então alicerçavam (ao menos em tese) a sociedade europeia — como compaixão,
humildade, altruísmo etc. — seriam fardo e dano à civilização e ao desenvolvimento
cultural e levavam, fatalmente, à perene mediocridade. Estes valores “degenerados”
seriam o fundamento daquilo que o filólogo chamava de moral do escravo e,
porquanto eram adequados àqueles de espírito inferior, findavam por promover o
“nivelamento por baixo” de todos os homens
(SILVA, p.74, 2018)
Qual
o segredo para superar tal decadência supracitada? Simplesmente, estará na
autossuperação humana. Consiste, isto é, na superação do si: ultrapassar seus
limites característicos/próprios.
O super-homem, tal como
apresentado por Nietzsche, não é uma pessoa dotada de poderes extraordinários,
de uma força descomunal, mas o símbolo daquele que se coloca para além da
órbita da moralidade e do peso normativo das suas instituições e que, [...], não
se deixa vencer pelo vazio existencial, pelo niilismo, tampouco por objetos
substitutivos desse vácuo deixado pela destruição dos valores soberanos que
regularam a existência humana no decorrer das eras. O super-homem afirma a
intensidade contingente da vida, a única existente, e estabelece a tábua dos
valores sem depender de hipóteses suprassensíveis que orientam a mente da
consciência metafísica tradicional.
(BITTERCOUNT, p. 55,
2016)
Pois
bem, este vigor do superar a si estaria na manifesta vontade de poder, proposta
por Nietzsche. A depender das circunstâncias, competirá ao übermensch
saber potencializar essa vontade de poder, haja vista estar enraizada a sornice
entre os sujeitos. Não há vontade de poder para agir. A mesmice e acomodação
são uns dos atrozes fatores para a descaracterização existencial daqueles que
poderiam ser um übermensch. Basicamente, temos seres moribundos ligados à
categoria de descrédito da sua própria vontade de poder.
Para que surja um
“super-homem”, é necessário que se supere qualquer tipo de convicção arraigada,
qualquer valor instituído e cristalizado ao longo das eras pela tradição
religiosa, social ou cultural. De modo que, para tanto, requer-se a superação
dos próprios limites pessoais, pois a dissolução dos valores transmitidos de
geração para geração pode inserir o homem na esfera da mesmice, da inércia e do
nada. Por isso o “super-homem” é criativo, pois, superando a herança moral
recebida, ele desenvolve novos valores, afirmativos da existência.
Consequentemente, qualquer pessoa pode vir a ser um “super-homem”, cabendo tão
somente lutar contra toda uma série de opiniões medíocres e pré-conceitos,
muitas vezes destituídos de valor e de criatividade.
(BITTERCOUNT, p. 63-64,
2016)
Espinhoso
é galgar essa troca identitária tão arraigada numa sociedade entregue à
maledicência existencial. A trajetória para essa transmutação de simples homem
para um übermensch será marcada por dor e rejeição. Porém, somos capazes
de superar nossos limites. Basta querer.
NOTA
[1]
AL SD PM D.
Macêdo é membro do 8º pelotão da 2ª CIA – Centro de Formação e
Aperfeiçoamento da Polícia Militar do Rio Grande do Norte [CFAPM/RN].
Especialista em Docência no Ensino Superior.
E-mail:
diegoavelinohistoriador@yahoo.com.br