Assembleia vai mobilizar para a conquista da transposição

Ezequiel afirma que, diante dos quatro anos de seca, é preciso unir forças 
no Rio Grande do Norte e na região - Foto: Júnior Santos

O Rio Grande do Norte está há quatro anos com chuvas escassas e essa seca prolongada tem implicações não só nas dificuldades de abastecimento de água, que atingem a maioria dos municípios, mas também provoca uma grave crise econômica na produção agrícola e pecuária do Estado. “A seca vem se arrastando há muito tempo, são quatro anos acabando com o ativo produtivo do Estado e da região”, afirma o presidente da Assembleia Legislativa, Ezequiel Ferreira de Souza, ao fazer um diagnóstico sobre a estiagem de 1.500 dias. 

Com o Rio Grande do Norte nessa situação, Ezequiel Ferreira afirma que cabe à Assembleia Legislativa mobilizar a classe política, as lideranças e a população para ir em busca de ações que possam enfrentar essa situação, não com medidas paliativas, mas com projetos estruturantes de recursos hídricos. E, para esse enfrentamento, o presidente da Assembleia defende uma mobilização regional. 

Ele afirma que é preciso convencer o Governo Federal a garantir recursos, mesmo com o ajuste fiscal, para a conclusão das obras de transposição das águas do Rio São Francisco e isso só será possível se o Nordeste estiver unido. Essa união deverá começar pelos Legislativos estaduais, mas terá que envolver também governadores e as bancadas federais. 

Nesta entrevista, Ezequiel Ferreira também faz uma avaliação do governado Robinson Faria e comenta a reforma política em votação no Congresso Nacional.

A Assembleia tem acompanha a situação da seca no Estado? Como está a situação hoje no Rio Grande do Norte com relação aos efeitos da estiagem?

Temos visto com muito preocupação. Há mais de 50 anos que não tínhamos uma seca como esta. Trata-se de uma estiagem que chega aos quatro anos. São 1.500 dias sem chuvas capazes de abastecer os grandes mananciais de água do Rio Grande do Norte. É, portanto, um quadro muito preocupante. Açudes como o Gargalheiras, feito pelo Dnocs há mais de 55 anos, que sempre abasteceu os municípios de Acari e Currais Novos, está com 1% de sua capacidade. Temos o Itans, na região do Seridó, com 9% da capacidade; a Barragem Armando Ribeiro, com algo em torno de 26% da capacidade para abastecer mais de 22 municípios do Estado.

E ainda tem os reservatório menores em situação ainda mais grave...

Na hora em que os reservatório menores secam, é preciso recorrer à Barragem Armando Ribeiro. Com isso, mais municípios ficam dependentes desse grande reservatório. Tudo isso é muito preocupante. Há outros dados. Só  evaporação, até dezembro, vai consumir dos reservatórios em torno de 30 a 40% da água que resta armazenada.

Nos últimos anos houve algumas obras de infraestrutura hídrica no Estado. As adutoras, algumas barragens, mas pode haver um colapso no abastecimento para consumo humano e para a produção?


Sem dúvida alguma. Eu arriscaria dizer que estamos perto do precipício quando se fala de água. Estamos em um momento muito delicado. As informações divulgadas sobre o clima dão como certas a presença do El Niño, com ventos que afastam o inverno do nosso semi-árido. A situação é séria, crítica e precisa ser enfrentada. Na minha opinião, isso exige uma política de recursos hídricos regional. É preciso unir as forças e estou falando em 40 milhões de habitantes, que teriam respaldo das bancadas, juntando o Rio Grande do Norte, a Paraíba e os demais estados nordestinos com problemas parecidos.

São estados com problemas comuns...

A Paraíba é o Estado que mais se assemelha com a nossa realidade, mas temos também Pernambuco. O Ceará tem uma situação um pouco mais confortável por conta dos canais e de grandes reservatórios, mas lá também há dificuldades. Há necessidade de fortalecimento para que esse grito da classe política e do povo do Nordeste possa ecoar em Brasília, porque só temos uma alternativa definitiva para o problema da crise hídrica do Rio Grande do Norte e do Nordeste que é, de fato, a transposição das águas do Rio São Francisco. As outras medidas são paliativas.

Há quem afirme que a situação não é tão grave, com a seca, por causa dos programas sociais. Isso faz com que as autoridades fiquem mais tranquilas e não atuem com tanta urgência nesse quadro de estiagem prolongada?

O que mais me preocupa é não ver uma política pública de convivência com a seca em nível federal. Temos as políticas conhecidas, que são das bolsas, como a Bolsa Família. Isso é importante, mas não resolve o problema. Estamos falando das implicações para a atividade primária e para as cadeias produtivas, das consequências para a população.

E a recuperação não seria fácil, mesmo se houvesse alguma chuva, depois de tanto tempo de estiagem...

Se hoje chovesse durante um mês no Nordeste brasileiro, não iriamos recuperar o que perdemos em quatro anos de seca. Estamos falando não só da falta de água, mas dos efeitos disto para a economia do Rio Grande do Norte e da região. Um ativo produtivo está perdido. É importante que se diga que a seca chega ao proprietário, a quem tem uma propriedade rural. Quando se abre um jornal e lê que o Ceará perdeu 50 mil cabeças de gado, o Rio Grande do Norte 80 mil cabeças de gado.... Veja, o “Estado” não é criador, mas sim o homem que vive no campo, que sobrevive do gado leiteiro ou de corte. Precisamos entender que a estiagem tem um desdobramento que afeta violentamente a economia. 

A produção está comprometida? A fonte de renda de muitos produtores?

A seca vem se arrastando há muito tempo, são quatro anos, acabando com o ativo produtivo do Estado e da região. Precisamos rediscutir as dívidas, os empréstimos tomados pelos pequenos e médios proprietários nos bancos oficiais. Não há, sem o ativo produtivo, como eles quitarem essas dívidas. Precisamos, em uma discussão ampla, exigir um perdão das dívidas ou pelo menos um “empurrão” desses débitos [prorrogação do prazo para pagamento], porque estamos com perspectivas lamentáveis de ter mais um ano de seca.

Neste ano de dificuldades na economia, com recessão, risco de retomada da inflação, diante desta seca prolongada, implica em um quadro ainda mais grave?

Sem dúvida alguma. Quando o lençol fica curto, temos que eleger as prioridades. O maior corte das histórias dos governos, da ordem de R$ 69,9 bilhões, tem um efeito cascata. Ajuste nos ministérios reduz verbas que iriam para estados e municípios. Então, várias obras importantes que seriam demandadas ficarão frustradas com esses cortes no orçamento. Isso pode ser constatado com um raciocínio lógico, Assim, é necessário ter prioridades. E para a questão da água ser prioridade, a classe política [do Rio Grande do Norte] tem que se unir e buscar a dos outros estados do Nordeste para que esse grito possa ecoar em Brasília de uma forma forte o suficiente para a região ser prioridade no que tange à água.

Como a Assembleia pretende atuar no que diz respeito ao problema da seca?

Já vem atuando. Tivemos três reuniões com os setores produtivos, nas quais abordamos esse tema. Há uma comissão formada. Tivemos um primeiro contato com deputados da Paraíba. No próximo dia seis, teremos uma reunião com o governador do Estado sobre os efeitos imediatos da seca, ou seja, o que podemos fazer para não faltar água ao cidadão, porque em algumas cidades, como Carnaúba dos Dantas, há dois anos e meio são abastecidas por carro-pipa. E estamos na iminência de ver, em várias outras, a mesma situação. Então essa reunião com o governador é para ver quais as ações vão chegar em socorro não só da zona rural, mas também das cidades. Queremos ir, no mesmo dia, ao encontro do presidente da Assembleia da Paraíba para regionalizar essa luta.
 
O Legislativo, então, pode contribuir nessa mobilização?

Sim, tem um papel preponderante nisso, pela proximidade do deputado com o prefeito, com o vereador, com a liderança. Pelo conhecimento e contato com a realidade do Estado e dos municípios. Essa força da Assembleia pode e deve ser exercida pelos seus deputados para mobilizar a sociedade do interior do Estado, identificando a situação dos recursos hídricos como um todo. E fazer essas discussões, trazendo a classe política de cada Estado, para debater e depois juntar as soluções, fazendo com que tenha um eco e força maior. Na hora em que isso acontecer no Rio Grande do Norte, na Paraíba, que tiver uma mobilização nas Assembleias, nas bancadas federais, uma participação dos governadores, cria uma união na região e o Governo Federal vai perceber. Assim, vão nos ouvir. Não há só uma crise da falta de água, mas de destruição do setor primário ao longo de quatro anos, acabando com os ativos que temos. 

O fato é que a Assembleia deve liderar essa mobilização...

Sim, mas chamando os governadores. No momento em que tivermos as Assembleias, os governadores, a classe política, cria um fortalecimento. As Assembleias, pela relação com prefeitos, ex-prefeitos, vereadores, lideranças, têm condições para trabalhar uma mobilização. Traremos a bancada federal, isso é um trabalho de soma de esforços. Nosso política será regional, porque temos o mesmo problema. 

O senhor assumiu este ano a presidência da Assembleia, garantiu a renovação do mandato, quais as perspectivas para essa legislatura? O que considera prioritário?


As perspectivas são extremamente positivas. Cheguei à presidência com o apoio dos 24 deputados. Fui eleito à unanimidade e reeleito praticamente à unanimidade dos presentes. Tenho uma relação de amizade, de respeito, mas mais do que isso, de parceria [com os deputados]. A Assembleia Legislativa vive um momento novo. Estamos implantando um trabalho que visa deixar a Assembleia pronta para o futuro. Os presidentes passam, mas a Casa Legislativa fica. Então, é preciso se aperfeiçoar e modernizar o Legislativo. 

E algo foi planejado ou já foi feito nesse sentido?

Estamos inovando, aperfeiçoando, fazendo com que ela fique cada vez mais próxima do cidadão, interagindo. Há pouco  lançamos um aplicativo para facilitar essa interação que é importantíssima. Estamos dentro de um planejamento estratégico para a Assembleia do Rio Grande do Norte. Iremos digitalizar a nossa biblioteca, o nosso setor legislativo, cada vez menos vamos trabalhar com papel. Queremos uma Assembleia mais ágil, mais próxima do povo. 

E nas atividades legislativas? 


A Assembleia vem batendo recorde de audiência pública nessa legislatura, assim como na discussão e aprovação de projetos de lei e de requerimentos. Os temas de importância para o Rio Grande do Norte vêm sendo discutidos e todos os deputados, dos que estão há mais tempo aos novatos, demonstram o entusiasmo para a Casa do Povo ficar mais próxima da população e ser, como sempre foi, a caixa de ressonância da população do Rio Grande do Norte. Então, os deputados representam os eleitores e fazem da Assembleia o reflexo dos anseios e vontades da população, da solicitação de melhorias das políticas públicas. Isso é algo que acontece com frequência. 

O que vem sendo discutido?


Temas como seca, o aeroporto, turismo, a situação do setor produtivo, a saúde pública, o sistema prisional, que foi herdado de forma falida, a educação. Ou seja, todos os temas debatidos no plenário, nas audiências públicas e nos discursos e apartes. A Assembleia vem se modernizando. Um das metas é ampliar o sinal da TV Assembleia, que deverá chegar nos 167 municípios do Rio Grande do Norte. Penso, desejo,  fazer cursos a distância. No momento em que tivermos a TV Assembleia nos 167 municípios, vamos levar os cursos a distância. Temos o Instituto Legislativo, que vamos mudar o nome para Escola da Assembleia. Essa Escola já tem pós-graduação e quero que o marco seja o mestrado que vamos implantar. Portanto, são mudança que aproxima do povo, que preparam a Assembleia para o futuro. E precisava diminuir o limite prudencial para contratar os concursados. 

Hoje está em quanto o percentual de gasto com pessoal no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal?


Encontrei no limite prudencial e conseguimos baixar. Vamos chamar, em julho, os primeiros 15 dos 85 concursados. E, ao mesmo tempo...

Será a primeira contratação da Assembleia por concurso...
Sim, a primeira por concurso. Ao mesmo tempo, não esqueci dos efetivos. Dentro da economia que fizemos, isso é possível com cortes e aumentando a arrecadação, vamos chamar concursados e valorizar os servidores da Casa que não tinham os 5% para os que fizeram pós-graduação [da promoção por qualificação] e vão passar a receber. Criamos o Fundo Legislativo, que já tinha na Câmara dos Deputados e no Senado. 

Esses recursos são provenientes de qual fonte?

Esse fundo visa uma arrecadação que advém do empréstimo consignado que o servidor faz e a instituição financeira paga 1 a 2% a esse fundo. Esse recurso será utilizado para pagar a esse servidor. Ou seja, quem se capacita merece ser premiado e é o que vamos fazer. Portanto, estamos felizes em premiar os que se capacitam, assim como por chamar parte dos concursados.
 
Está em discussão a reforma política no Congresso Nacional e, entre as mudanças aprovadas em primeiro turno na Câmara dos Deputados, há o mandato de cinco anos e o fim da reeleição. O senhor considera positivas essas mudanças?

A reforma foi tímida em relação ao que se esperava. Houve uma certa frustração. Mas precisamos enaltecer que esse presidente [da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha] teve a coragem de fazer, topar a parada. Acho positivo os cinco anos, sem direito de renovação do mandato do governador e do presidente da República. 

O governo Robinson Faria está coerente com os compromissos que ele assumiu  na campanha ou tem frustrado a população?

Todo governante, quando assume a cadeira pode ter frustrada a sua expectativa diante da situação do Estado ou do País. No caso de Robinson [Faria], quem o conhece, sabe de sua obstinação, de sua vontade de acertar, de seu desejo de ver um Rio Grande do Norte melhor. Talvez o único erro cometido por ele tenha sido não dizer a real dificuldade na qual encontrou o Rio Grande do Norte. Eu posso dizer, porque vi os números, em uma reunião com os chefes dos poderes... Ele apresentou. Recebeu o Estado com uma dívida de um bilhão de reais. Poucos norte-riograndenses sabem disso. Um bilhão de reais para um estado como o nosso, com algo em torno de três milhões de reais na conta na época... As politicas públicas, como a saúde, como nós sabemos como foram encontradas. O Sistema Carcerário, idem. 

Mas é uma situação que se sabia que iria encontrar...


Não existe governante que queira frustrar a população, sempre chega achando que vai resolver tudo. Na realidade, o que existe hoje é uma crise nacional, que tem reflexo nos Estados. Isso decorre da crise, de uma recessão, que tem  implicações na queda do consumo. Então, há uma dificuldade que atinge, claro, os estados e municípios. E, ao mesmo tempo, uma herança que dificulta a administração do governo Robinson Faria. 

Qual a contribuição que ele pediu aos poderes?

Ele, pela primeira vez, e aqui faço um reconhecimento, chamou os poderes para mostrar uma radiografia do que o Rio Grande do Norte enfrenta e a preocupação com a situação. Temos autorizado pela Assembleia Legislativa, um empréstimo de R$  850 milhões para o Estado, que não foi liberado pelo Governo Federal. E dentro deste recurso tem várias obras importantes. Entre os projetos, está a continuação da Estrada da Produção, que ligaria a região do Potengi a do Seridó. Vai beneficar um celeiro agrícola. Deveria ser assim: Quando o dinheiro é curto, definir prioridades, como estradas que possam escoar produção ou incentivar o turismo.  

Alguns dos últimos presidentes da Assembleia acabaram se candidatando ao Congresso ou Executivo. Quais os planos do senhor?


De verdade, meu maior desejo é focar na administração da Assembleia. E torcer para que meu sucessor faça ainda melhor. É deixar uma Casa Legislativa mais funcional, mais ágil, mais próxima da população. Temos a Assembleia Itinerante, a Assembleia Cidadã. Estivemos pela primeira vez, desde 2006 o projeto existe, na região Central, no município de Angicos, e atendemos quase 17 mil pessoas. Estivemos também no município de Currais Novos, na região do Seridó, e chegamos a 20 mil atendimentos. Lançamos agora uma campanha que mexe com o sentimento das pessoas, pois descobrimos, estudando, que a adoção tem dificuldades. Constatarmos, ao pesquisar, que no Brasil, 80% dos pais que se dispõem a adotar criterizam demais essa escolha: querem uma criança do sexo feminino, com menos de três anos, branca e que não tenha irmãos. Com essa quantidade de critérios, há uma quantidade maior de crianças sem serem adotadas e de casais na fila. 

E ficam crianças sem famílias...

Isso. Lançamos uma campanha, fomos aos poderes constituídos para que nos apoiassem, fizemos audiência pública, formamos uma comissão, vamos visitar as casas de apoio para estimular as adoções. Então, vamos quebrar preconceitos para diminuir o critério de escolha para adotar. Mostramos que para dar amor e receber não precisa de tantos critérios. Ou seja, a Assembleia tem cada vez  mais interagido com a população.
Fonte: www.tribunadonorte.com.br