As pílulas da infelicidade

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Brasil é campeão mundial no uso de inibidores de apetite. Disciplicência médica e desinformação de pacientes geram um caso de saúde pública.
A cada mil brasileiros, 12,5 já usaram algum medicamento para emagrecer. O consumo é quase três vezes maior do que nos Estados Unidos, país conhecido pela grande parcela da população obesa. Responsável por 90% do consumo mundial desse tipo de droga, o Brasil supera todos os países da América Latina, inclusive a Argentina, onde o índice é de 11,8 para cada mil habitantes.
De acordo com dados da Anvisa, somente de janeiro a julho deste ano foram comercializados 83.037.120 unidades de emagrecedores nas farmácias brasileiras. A maior parte, 40,8 milhões de cápsulas, foi vendida em São Paulo, estado que lidera o ranking brasileiro. O Paraná ocupa o quarto lugar, com 3.695.297 unidades, ficando atrás do Rio de Janeiro, com 8,9 milhões e de Goiás, com 5,7 milhões.
Os motivos que explicam a popularidade dessas drogas vão desde a ignorância dos pacientes – que procuram a medicação sem levar em conta os riscos do uso indiscriminado –, passando pela displicência dos médicos, que receitam sem levar em conta as indicações corretas. Some-se ainda ao acesso facilitado e o culto à magreza.
Existem hoje diferentes classes de medicamentos indicados para perda de peso. Os que estão há mais tempo no mercado são os chamados “anorexígenos”, que atuam bloqueando os neurônios responsáveis pela fome. São drogas derivadas de compostos químicos denominados anfetaminas.
Em um outro grupo de medicamentos estão os chamados “sascietógenos”, drogas que atuam no cérebro reduzindo a ingestão alimentar, mas sem inibir a fome. Fazem parte dessa classe drogas como Sibutramina e Rimonabanto (a famosa pílula antibarriga – veja quadro). Sem falar ainda de drogas que não têm indicação direta para perda de peso, mas que podem atuar como emagrecedores, a exemplo do antidepressivo Fluoxetina.
Como a maioria das medicações atua no sistema nervoso central, efeitos colaterais como irritabilidade, nervosismo, insônia, depressão são comuns. “Essas drogas nunca devem ser utilizadas sem o acompanhamento médico”, reforça a endocrinologista e professora da Universidade Federal do Paraná, Rosana Radominski.
Segundo a estudiosa, o uso de medicamentos é indicado apenas para indivíduos obesos ou com sobrepeso, que tenham complicações como hipertensão, diabetes, dislipidemia; ou problemas articulares e não consigam perder peso apenas com reeducação alimentar e atividade física.
Além dos efeitos colaterais, a maior insatisfação de quem faz uso de medicamentos para emagrecer está na dificuldade de manter o peso alcançado. Não é raro que um paciente consiga emagrecer 10 ou 15 quilos em poucos meses. O chamado “efeito sanfona” costuma ser inevitável. “Só o remédio não adianta, é preciso mudar o comportamento”, defende o endocrinologista e ex-presidente da Associação Brasileira para Estudos da Obesidade, Henrique Suplicy.
Para evitar que o ponteiro da balança volte a subir, é fundamental o apoio psicológico. “Muitas vezes, a pessoa sabe o que precisa fazer, mas não sabe como”, observa o psicólogo e psicoterapeuta pela Universidade de São Paulo, Marco Antônio de Tomasso. Para ele, a parte psicológica costuma ser a mais descuidada. “A terapia é importante por ajudar a mudar crenças, comportamentos e fazer com que o paciente se comprometa”, explica.
É a parte mais difícil. Há 20 anos lutando contra a balança, Elizabeth Sant’Ana, 58, reconhece que nem sempre é disciplinada. Durante seis meses, ela tomou um emagrecedor. Chegou a perder 10 quilos, mas em menos de um ano não só recuperou como passou a pesar mais do que no início do tratamento. “Comecei a tomar o remédio de novo, mas o efeito já não foi o mesmo”, conta. O peso atual ela não revela, diz apenas que se pudesse estaria 20 quilos mais magra. Elizabeth começou a engordar depois que teve a filha, aos 38 anos. “Com 30 eu era tão magra que tinha vergonha, cheguei a pesar 39 kg”, lembra.
Na ânsia de emagrecer, ela experimentou até injeções, mas nem isso deu resultado. Mesmo sabendo que a medicação sozinha não é suficiente, ela reconhece que nem sempre segue à risca as orientações do médico. “Sei que o remédio não faz milagre, que tenho que me esforçar, mas é difícil seguir a dieta à risca. Belisco o dia todo e não dá para resistir ao chocolate”, diz.


Depoimento
Estelita Carazzai é repórter de Economia.


Caminhada em vez de medicação
Só existe uma receita que acredito eficaz contra aquelas gordurinhas a mais: alimentação balanceada e exercício físico. Só. Minha única experiência com remédios para emagrecimento foi frustrante – e não porque malsucedida, pelo contrário. Emagreci dez quilos em três meses, uma marca digna de capa de revista feminina. Mas engordei os mesmos dez – e mais cinco – nos seis meses subseqüentes.
E o pior é que não foi nem um troco por uma possível imprudência: os mais de R$ 300 em remédios foram gastos com a chancela de um profissional, um nutrólogo que elogiava minha perseverança a cada encontro mensal e, de caneta em punho, tascava-me mais uma receita para os próximos 30 dias. Eram remédios de manipulação, que “misturavam ingredientes naturais a sintéticos” - foi a explicação mais precisa que obtive do médico. Três meses depois, com o sucesso na balança, ele me recomendou que parasse com a medicação. Parei, e deu no que deu.
No retorno ao consultório, 15 quilos mais gorda, a frustração: saí com a mesma receita que me havia sido dada nos outros meses. Joguei o papel no lixo e passei a investir em caminhadas. Não, o final não é tão óbvio: mesmo aposentando o carro e andando cerca de uma hora por dia, só consegui emagrecer seis quilos, dois anos para cá. Mas ao menos sei que esses eu não recupero mais.
Fonte: Gazeta do Povo