O dia que a homofobia matou 15 pessoas na Grande Natal



Por Mateus Ângelo - Todo Natalense

No dia 21 de maio de 1997, as terras do município de Santo Antônio de Barreiros no município de São Gonçalo do Amarante, tradicional pela qualidade do seu barro, foi encharcada com o sangue das vítimas do implacável assassino Genildo Ferreira de França, ex-militar que na época tinha 27 anos de idade.
Nascido em cidade pequena, Genildo, que também era conhecido como Neguinho de Zé Ferreira, era querido por todos na cidade, ninguém esperava qualquer tipo de violência dele. Um amigo de trabalho não hesita em falar “Neguinho num matava nem uma borboleta”. Tanto que hoje muitos se referem a duas pessoas, o Genildo do dia 21 de maio e o Neguinho que as pessoas conheciam desde infância. Existem pessoas na cidade, que até hoje defendem a tese que o serial killer estivesse possuído por alguma entidade demoníaca, pois aquelas atitudes não eram em nada compatíveis com a sua personalidade.
Para contar essa história, a gente precisa voltar ao ano de 1995, quando Genildo assistiu o filho ser atropelado. O motorista do carro relata ter visto um vulto e ao colidir achou que teria sido um animal, a criança ficou presa com o braço no papo de fogo do veículo, o que agravou ainda mais o acidente e fez com que o garoto morresse, mesmo o motorista prestando socorro após perceber que tinha atropelado a criança. A justiça julgou que o motorista não teve responsabilidade no acidente. A morte do filho abalou drasticamente Neguinho, que desde então nunca mais foi o mesmo.
Ainda em 1995, ele se separou durante um mês da sua esposa Mônica, que durante o período inventou uma história que teria flagrado Neguinho na cama com um outro homem. A história se espalhou por toda a cidade, e Genildo virou alvo de chacota de todo mundo, principalmente do seu sogro, Baltazar, que por onde passava contava a história.
Genildo Ferreira de França, o Neguinho de Zé Ferreira
Na cidade pequena, não se falava em outra coisa, só que Neguinho era “viado”, ninguém perdia uma oportunidade de tirar sarro do rapaz, até um surdo-mudo ao passar por ele gesticulava insinuando que ele teria feito sexo anal com outro homem. O desconforto de Genildo com a história era de conhecimento de todos, mas isso não impedia a galera de ‘zoar’ o rapaz.
Genildo também tinha um bar, intitulado “Bar do Iuri”, e era até então a sua principal fonte de renda, só que após a repercussão da história, ninguém queria frequentar o lugar que teoricamente seria frequentado apenas por gays.
Ao não suportar mais, ele passou a frequentemente ameaçar a família de Mônica de assassinato. Neguinho chegou a ir em uma funerária e encomendou um caixão para seu próprio funeral, caixão esse que nunca foi entregue. Também convidou os amigos para cavarem sua própria cova, eles abismados com a atitude dele, chamaram a polícia, que encontrou duas armas e duzentos cartuchos de munição com Genildo. Em 1997 – ano da tragédia – Genildo voltou a encomendar um caixão na funerária da cidade.
Ficou óbvio que uma tragédia estava anunciada, mas ninguém acreditava que Neguinho seria capaz de matar alguém. A perda precoce do filho e sua ‘honra masculina’ fragilizada após as piadas homofóbicas, mexeram completamente com a cabeça do rapaz.
Então chegou o dia 21 de maio, o dia que Neguinho tinha premeditado durante anos. Inspirado no personagem Rambo, estrelado por Sylvester Stallone, ele vendeu as coisas do seu bar e com o dinheiro fez o investimento em uma pistola 764, um revolver 38 e muita munição. Sua primeira vitima foi um taxista que namorava com sua ex-mulher, que também era uma das pessoas que costumavam fazer piadas sobre sua sexualidade. A morte do taxista foi estratégica, pois ele utilizou o seu carro para buscar algumas outras vítimas.

REPORTAGEM DA TV PONTA NEGRA NA ÉPOCA:

Neguinho convidou o amigo Francisco de Assis e uma jovem de 16 anos para acompanha-lo na chacina e ameaçou a família dos dois de morte caso não fossem ajudados, uma reportagem da Folha de São Paulo da época narrou a ordem cronológica dos fatos.
19h30 – O grupo passa na casa de Elias dos Anjos Pimenta, no distrito de Santo Antônio do Potengi, que também entra no carro. Em seguida, vão para a casa do sogro de França, Baltazar Jorge de Sá. O sogro é convidado a ajudá-lo no parto de uma vaca. Pimenta e Sá são mortos em seguida.
20h30 – França, Santos e V.R.S. passam na casa de Manoel Marcolino e o convidam para ajudá-los a comprar uma espingarda. João Maria de Lima, que visitava Marcolino, se oferece para ir junto. Marcolino e Lima são mortos.
21h – O grupo volta ao vilarejo e convida Edilson Carlos do Nascimento para uma festa. Nascimento é morto enquanto o Neguinho gritava que não era homossexual.
21h30 – Francisco de Assis Ramos dos Santos é deixado na cidade por França.
Entre 21h30 e 23h – França e V.R.S. vão para a casa dele. Lá, França mata sua mulher, Mônica Carlos de França, e pede a V.R.S. que escreva a carta. Pega o filho Mateus, de 8 meses, e o leva para a casa da prima Maria dos Anjos F. de Souza, 45.
Dia 22 (quinta-feira)
6h – França vai com V.R.S. para a casa do pai dele, José Ferreira, e ameaça a família. A PM inicia as buscas. O sargento da PM Francisco de Assis Bezerra e o soldado Ilton de Lima Ciríaco chegam ao local e são recebidos a bala. Bezerra morre e o soldado é ferido.
6h30 – França vai com V.R.S. para a casa do sogro dele -morto no dia anterior- e mata a sogra, Tereza Carlos Ribeiro. Em seguida, os dois andam cerca de 200 m, até a casa da ex-mulher de França, Maria Valdete Rafael da Costa. Lá, França mata Valdete, a mãe dela, Francisca Neide Rafael da Costa, e toma a filha Nayara, 5 anos de idade. O carro é abandonado em frente à casa.
6h45 – França volta com V.R.S. e Nayara para a casa dele e mata o vizinho Flávio Silva de Oliveira. Na frente da casa, França mata o caminhoneiro Fernando Correa de Souza.
7h30 – França mata na rua o mensageiro Antonio Josemberg Campelo, 17 anos, que havia testemunhado o assassinato do sargento.
Entre 7h30 e 12h – A polícia aperta o cerco contra França.
12h10 – Cercado num bananal, França liberta a filha e V.R.S.. Segundo a polícia, França morre durante troca de tiros. V.R.S. afirma que França se suicidou.
Foi criada uma confusão gigantesca na pequena cidade, certa de 120 policiais estavam presentes e o medo da população provocou uma verdadeira bagunça nas informações. Todos relatavam ter visto Neguinho, muitos diziam que ele sumia do nada e reaparecia em outro lugar, outros falam que ele pulava entre os telhados das casas com a criança nos braços, o que atribuíam tudo a ação demoníaca.
A mídia da época não economizou nas manchetes, cada jornal que lutasse para encontrar a principal motivação do Genildo: Vendia drogas e estava com dividas; vingança da morte do filho; devido a boatos sobre a sua homossexualidade; e pasmem, até as possíveis ações demoníacas tomaram as páginas dor jornais.
Existiu até uma polêmica da época envolvendo o jornalismo da TV Ponta Negra, que ao entrevistar a adolescente de 16 anos, alguns funcionários da emissora ficavam fazendo graça por trás das câmeras para a menina cair na risada e de forma subjetiva parecer culpada.
A imprensa na época tinha um papel tão significativo, que antes mesmo da polícia ser chamada para os crimes, as pessoas ligavam para algum programa policial. O assassino, sabendo disso, deixou uma carta escrita para o J. Gomes, repórter da TV Ponta Negra, que você pode ler na integra:
“O motido deu escrever estas poucas linhas, não é pra justificar o erro que eu fiz, mais só assim eu consegueria provar pra todo mundo, e deixo o desafio pra qualquer um que queira provar que eu era homo-sexual, nem eu era, nem vou ser por esse comentário foi que aconteceu toda essa tragédia eu não me sinto como pessoa normal depois desse falso que levantaram contra minha pessoa.
Aqui eu escrevo minhas palavras finais, Poderam dizer que eu fiquei louco mais mesmo assim eu recomendo a alma de todos para Deus.
E espero que Deus me perdoe por esse ato que eu fiz, mais era minha única solução. eu espero que essa carta seja enviada para J. Gomes para que ele divulgue para o público, e que aconselhe a todos a não levantar falsos do seu próximo.
Paro aqui porque não tenho mais condições.
Para todos desejo uma vida de dignidade a qual não tive.
Eu posso até não vingar a morte do meu filho se não tiver condições.
Tava difício viver não aceito na sociedade pelo simples caboclo que me levantou um falso mais agora está morto.
Eu imploro perdão de todos que tentam me compreender. eu não fiz esto por prazer fiz forçado.
Ainda continuando deixo um forte abraço e um beijo pra toda minha família, e que toda minha família não emporta a religião, más que todos se reúnam e construam uma forte corrente de oração para que Deus tome conta de minha alma.
ADEUS
PARA
TODOS
Escreve Jenildo”
Em 2009, um documentário sobre o caso foi lançado e hoje está disponível no YouTube, se tiver achado interessante o assunto e quiser conhecer um pouco mais, aconselho que assista:
todonatalense.com.br