A NÃO ESSÊNCIA HUMANA EM: “ISTO É UM HOMEM?” DE PRIMO LEVI A PARTIR DO OLHAR SARTRIANO.




Diego Avelino de Macêdo¹
(D. MACÊDO – AL SD PMRN)
Resumo

Através da obra magna de Primo Levi “Isto é um homem?” é plausível traçar a pulverização identitária dos sujeitos a partir da análise das obras existenciais de Jean Paul Sartre. Os sujeitos analisados, na obra de Primo Levi, são indivíduos enquadrados numa condição de marginalização social e/ou étnica tão atroz e desumana que, infelizmente, àqueles não se reconheciam mais “dentro” de sua condição humana. Beirando em inúmeras incertezas acerca de sua sobrevivência, muitos prisioneiros – especialmente, judeus – presenciaram os horrores de uma guerra excludente de direitos, liberdades e autonomia resultando numa vociferas desconstrução da essência humana. Mas, o campo de atuação dessa desconstrução não está limitado somente a um espaço; ela é contínua e perspicaz.


Introdução

O homem motivado por instintos primitivos se construiu em sociedade durante milênios. As entrelinhas históricas provam, exatamente, tal fato ao observar que à luta pela soberania e a dominação de outrem constituiu marca promissora na história. Diante disso, ocorreu em pleno século XX duas grandes guerras tão avassaladoras e chocantes, que seus feitos macabros e animalescos sempre estarão presentes nos anais históricos. Todavia, ressalte-se que a mais marcante dentre as duas, sem dúvida, foi a II Grande Guerra Mundial. Este, por sua vez, promoveu uma “quase” destruição global sem proporções conseguindo afetar abruptamente à constituição identitária de seus sujeitos (co)participantes.

¹Militar da ativa, escritor, licenciado em História (UnP) e em Filosofia (UFRN). Possui especialização em Docência no Ensino Superior (UnP). Atuou lecionando os componentes curriculares em Artes, História, Filosofia, Sociologia, Religião, Idioma (A1 – nível básico).
E-mail: diegoavelinohistoriador@yahoo.com.br
Desconstrução existencial

Os campos de concentrações alemães espalhados pela Europa promoveram as mais absurdas atrocidades contra à dignidade, liberdade e autonomia dos sujeitos. A morte, quando não era promovida por meios “rápidos” era lentamente agonizante. A distorção do real gerido pelo esfacelamento existencial, em cada sujeito – entendam-se, os encarcerados, culminou num pulverizar do Eu que, dada animalesca situação, não importava mais estar em existência neste mundo. O homem perdeu sua condição humana! Deixou-se de existir assim como de ser. 
Para conhecimento mais realista acerca dos acontecimentos, nada melhor do que visitar uma das obras mais memoriáveis de Primo Levi. Este autor foi um químico italiano judeu, que resgatou de sua memória os relatos vivenciados durante seu encarceramento. Primo Levi, membro de um grupo guerrilheiro italiano, após ser denunciado foi preso. Tempo depois estava sendo enviado a um campo de concentração (lager – em alemão). Transferido para Auschwitz, posteriormente, Primo Levi, esteve confinado por dois anos.
Neste espaço de concentração animal [não humana], as barbáries cometidas ultrapassavam o limite do senso humanitário. Seu atroz resultado afetava diretamente a constituição identitária dos penalizados promovendo uma nulidade do si. Não importava mais se permitir existir! Era necessário se permitir sobreviver!

A passagem de um estado humano para um animalesco ocorre exatamente no momento em que ele se despoja de seus pertences, de suas recordações, de sua história e se torna uma estatística, um número, um prisioneiro sem futuro e sem nenhuma perspectiva positiva.
[GARCIA; MARTINS, 2017, p. 02]

Cada corpo moribundo não possuía história [pessoal], e nem deixava marca alguma social. Por quê? Simplesmente, os sujeitos não eram nada. O que eram, afinal? Apenas, números; trabalhadores braçais; cobaias científicas entre outros. Não havia uma “definição” do si porque inexistia o existir.

[...], o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define. O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. [SARTRE, 1970, p.04].

Toda essa sobrecarga desumana alemã permitiu apagar lentamente, assim como impedir que cada sujeito pudesse se fazer/construir para o seu porvir existencial. Quem agora, portanto, poderia dizer que era um sujeito social construído/formado dentro de um escopo ético e moral? Nada mais importava!
As vozes dos rejeitados, literalmente, dos “não seres humanos” podem ser ouvidas mais uma vez. Vozes que demonstram revelar um vazio do seu âmago. Vozes que bradam, por causa, de uma negação existencial promovida pelo distanciamento da sua condição humana.
O pessimismo é latente, absoluto e sempre fermentado pela espera desgraçada de um momento (não) vivido. O futuro...não o existe! Esperança...não há! As próprias dores e sofrimentos conseguem burlar o duro momento forjando sujeito(os) que se desconhece(m) entre os demais. Basicamente, seriam os homens: “[...] os seres silenciosos que foram lentamente desconstituídos intelectual, psicológica e moralmente até o definitivo apagamento, que os conduziu à indiferença e à morte.” [GARCIA; MARTINS, 2017, p. 11].
Sem haver interação do ser com a realidade, a partir, da possibilidade de sua liberdade (pessoal), os mais abastados apenados – dos campos de concentração – vivenciaram uma crescente crise existencialista. 
Perpassando-se os relatos de uma dada situação temporal é salvável entender, que a fundamentação ontológica de cada sujeito precisa acontecer no encontrar e, ao mesmo tempo, no sentir-se pertencente a um contexto/círculo/grupo. Havendo qualquer distorção na sua identificação pessoal – intrínseca e/ou extrínseca, o caos subjetivo consumirá o seu Eu. Eis, algumas observações incomensuráveis sobre a constituição do nosso ente:

1) A existência humana é o fator determinante para a constituição do si. Sem àquela, por sua vez, o ser humano se perde diante da sua realidade, não sabendo mais diferenciar o limiar entre “Humano versus Animal”;

2) A formação essencial de cada sujeito ocorre mediante sua interação social. Mesmo permitindo-se interagir dentro de um grupo marginalizado, o ser humano irá existir. Todavia, sua existência será meramente focada em condições primitivas do Eu. O melhor será negar-se, enquanto, sujeito para não dar vazão aos impulsos instintivos.

Portanto, o ser humano precisará estar partícipe sempre no seu invólucro social mesmo assumindo papeis diferentes daqueles predefinidos. A natureza do si deve ser estendida e expandida não podendo estar esfacelada diante de uma mentalidade da ordem totalitária.