Artigo: Centenário de Maria Boa – Gutemberg Costa
Por Gutenberg Costa (Pedagogo, Bacharel em Direito, Escritor e
Folclorista)
Neste último dia de São João (24/06/2020), foi lembrado o
centenário de nascimento da famosa paraibana dona Maria Oliveira Barros,
mundialmente conhecida como ‘Maria Boa’, que aportou em Natal, ainda na década
de 40. Dizem que saiu de sua terra devido a um desencanto amoroso. Seu apelido
batizou de avião americano à cachaça. Seu nome foi incluso no importante
trabalho biográfico, publicado no ano de 2000, ‘400 Nomes de Natal’, coordenado
pela jornalista e pesquisadora Rejane Cardoso. Também a relacionamos, em nossa
obra: ‘Natal, Personagens Populares’, de 1999. Foi até personagem de filme,
‘For All, o Trampolim da Vitória’.
Apesar de ter sido uma personagem demasiadamente popular na boca do povo
natalense, viveu reclusa e arredia ao colunismo social. Sua famosa casa-cabaré
tinha regras, às vezes mais rígidas do que certas casas familiares. Lá não se
admitia bagunças, palavrões e homens sem camisas, entre outras exigências. Ouvi
muito, mas em segredo, as histórias de que algumas de suas mulheres chegaram a
sérios casamentos: com o empresário fulano de tal… Com o doutor sicrano… E
diga-se, foram, ou ainda são, ótimas e fies companheiras, mães e avós. As que
rezaram na cartilha comportamental de dona Maria Boa se deram muito bem na
vida. Temos que admitir que a mesma teria sido uma boa professora de marketing
comercial e eximia conselheira de etiquetas sociais do seu tempo. Foram poucos
os intelectuais, boêmios e políticos que lá não puseram os seus santos pés…
Seu ponto
além de ‘chique’ em relação aos outros cabarés de ‘segunda’, exibia um piano
que era tocado pelo boêmio e pianista Paulo Lira, (1903-1979). As outras casas
de ‘drinques’ se limitavam as antigas radiolas. Para incluir seu nome no meu
citado livro, tive que conversar um pouco, com seu irmão ‘Severino’, que era
seu braço direito – garçom e motorista. Depois de publicada a obra, recebo em
casa um telefonema de uma sua sobrinha, elogiando o meu texto respeitoso, com
sua tia. Ao contrário, cheguei a pensar que ia ser chamado para responder por
danos morais à sua família. Quando estava quase finalizando outra pesquisa,
desta vez sobre os antigos carnavais da cidade do Natal até 1945, recebi
importantes informações de alguns saudosos amigos, entre eles, Ticiano Duarte,
(1931-2015) e Lenine Pinto, (1930-2019) sobre a Maria Boa ‘carnavalesca’,
desfilando com suas lindas ‘meninas’, em seu automóvel ‘Conversível’ nos nossos
corsos momescos das Avenidas Rio Branco e Deodoro. Quando procurei saber do
próprio ex-prefeito Agnelo Alves, (1932-2015), pela ausência de fotos suas
durante a sua administração, em nossos carnavais, este rindo muito,
declarava-me o segredo: “Eu ia tomar minhas cervejas em um lugar secreto, longe
dos fotógrafos, carnavalescos e jornalistas ali na Padre Pinto”. E durante os
animados carnavais dos anos sessenta, se não existem registros fotográficos do
então prefeito, eu tenho bastante de dois grandes foliões, peregrinando nos
clubes e nas ruas festivas daquele tempo: O nosso rei momo oficial, Paulo Maux,
(1934-1984) e o ‘opositor’ Severino Galvão, (1914-1994).
Ela quase
chegou a receber o título de cidadania natalense da Câmara Municipal de Natal,
segundo me contou o amigo ex-vereador Eugênio Neto, (1929-2010), em plena
calçada do antigo Café São Luiz: “Eu preparei a proposição e todos os colegas
assinaram, sem darem conta que a senhora comerciante, com relevantes serviços
prestados a sociedade natalense, Maria Oliveira Barros, se tratava na realidade
de dona Maria Boa. E antes de dar oficialmente entrada no projeto, eu o
rasguei, dando gargalhadas e os advertindo, que eles não se assinassem nada,
sem ler muito bem antes de aprovar um projeto”. Dona Maria ‘escapou fedendo’,
como se dizia na feira do meu Alecrim e morreu paraibana mesmo. Certa feita, o
mestre Veríssimo de Melo, (1921-1996), contou-me uma confusão causada por um
falsário no referido cabaré, que se passara por um filho de um ilustre
ministro. O dito rapaz até enganara algumas autoridades, não a esperta dona
Maria, que não era estudada, mas era ‘doutora’ na universidade da vida, dita
fácil.
Recordo
uma das vezes que estive, no famoso reduto boêmio, no carnaval de 1979. Um
domingo carnavalesco de muito sol, juntamente com alguns amigos, componentes do
Bloco de Elite do bairro do Alecrim, ‘Magnatas’. Entramos com todo respeito e
pedimos as esperadas cervejas, com pouco dinheiro nos bolsos. Severino, o
garçom, despachou-nos as geladas. Em um canto do salão, poucas mulheres
sentadas e sem dar muita atenção aos visitantes jovens e‘lisos’. Ninguém viu a
requintada proprietária. Saímos em busca do referido bloco, cantarolando o
popular sucesso da época, de Moacyr Franco: “A nossa vida é um carnaval…”.
Em março
de 1995, o seu terreno é vendido, fechando de vez a casa da boemia
natalense. Pouco tempo depois, a mais
conhecida dona de cabarés, que reinou meio século na Rua Padre Pinto, 816,
entre a Cidade Alta e o Baldo, partia em 22 de julho de 1997. A grande dama das
noites foi homenageada por nossa imprensa, mais do que muitos políticos e
artistas de nossa terra que se foram antes dela. E ao contrário daquela ‘outra’
bíblica, em vida, só lhe foram atiradas flores!