Óleo usado vira fonte de renda e transforma vidas de mulheres na Zona Norte de Natal



“A gente se melhora como mulher. Tem gente que chega aqui depressiva, ansiosa, doente, e agora se sente melhor”. Independência financeira e terapia ocupacional. O óleo de cozinha usado tem um novo destino e, principalmente, está mudando o destino de idosas da zona norte de Natal, como mostra a fala de Marlene Santana, 65, presidente da Associação de Idosas Julieta Barros, no Potengi. O óleo que antes ia para a rede de esgotamento e causaria uma série de problemas ao sistema, tem sido a solução para incrementar a renda de Marlene, Antônia e Eliete, moradoras do bairro Potengi.

Isto porque há pouco mais de um ano, as idosas da Associação receberam um treinamento muito especial: aprenderam a transformar o óleo usado em sabão, e isso revolucionou o dia a dia das aposentadas, que agora complementam sua renda com a venda do produto. São vendidos, em média, cem pacotes por mês, em toda a capital. Cada pacote com cinco barras custa R$6. “Para mim é uma renda extra, comer algo diferente, dar presente para meus netos, minha filha”, ressalta Marlene, pensionista, que antes tinha o dinheiro do mês contado para pagar as contas. Das frituras dos alimentos o óleo se transforma em sabão ecológico e a importância social do espaço ultrapassa os limites físicos.

Desde agosto de 2019, através do projeto Esgotamento Legal da Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern), a Associação de Idosas se tornou um dos pontos de coleta de óleo usado em Natal, e recebe doação por parte da comunidade, possibilitando às artesãs a oportunidade de oferecer o destino adequado e ecológico ao produto. A produção do sabão ecológico atualmente garante que as idosas consigam também ter uma reserva financeira, fazer um passeio, além de ser um poderoso passatempo.

 “Se eu ficasse em casa já teria adoecido”

A fala Marlene não é à toa: diversas idosas procuram a associação por prescrição médica, e percebem nitidamente melhora em seus quadros clínicos após frequentarem o grupo.  Eliete Pereira de Souza é responsável pela parte de corte e embalagem das barras de sabão. A aposentada e o esposo, segurança de um hotel na cidade, começaram as vendas do sabão e até adesivaram o carro próprio para ampliar o negócio realizando entregas.

“Às vezes, param meu marido na rua para comprar o sabão, a gente fica muito feliz, né? Sempre tem um dinheirinho extra para não depender apenas da aposentadoria”. Eliete trabalha com crochê desde os 12 anos, mas desde que conheceu a produção de sabão realiza trabalhos somente por encomenda, e pode se dedicar a um produto de maior rotatividade, onde a venda é mais contínua. “Meu marido vai cedo trabalhar, me deixa na associação, onde almoço com as meninas, trabalho, cuido da loja, do gato e vou embora só de noite, quando ele me busca”, conta.

Um lugar para “salvar vidas”

Ao longo dos quinze anos do grupo, centenas de idosos já passaram pelo espaço e participaram das atividades, contando atualmente são 60 associadas, todas mulheres.  As idosas do bairro Potengi enfrentavam uma série de dificuldades com a chegada da idade, algumas sofriam com o distanciamento da família, outras enfrentavam uma viuvez ou divórcio, doenças físicas, depressão, ansiedade.

A Associação promoveu um espaço para que estas pessoas compartilhem suas vivências, tenham com quem conversar, mantenham uma rotina fora de casa e tenha opções de lazer e acolhimento. E as atividades desenvolvidas no espaço já “salvaram vidas”, seja em relação à cura de quadros de depressão, como doenças físicas, como é o caso de Maria José, conhecida como “Tim”, de 81 anos. A idosa integra a associação há 10 anos, desde que se mudou do interior do Pernambuco, por causa de um AVC, o que a levou a morar com as filhas na capital potiguar.

Dona Tim tem mobilidade reduzida e viveu a vida toda “com a mão na enxada”. Desde que chegou na associação participa dos cursos de bordado, ampliou suas habilidades cognitivas, voltou a caminhar, e comemora a normalização de sua taxa de diabetes. “Eu medi hoje e deu 78, diminuí até meus remédios, tomo só um. Fico aqui o dia inteiro, só saio daqui pra casa, Marlene sempre promove alguma atividade”, conta.

Socialização e novas perspectivas na terceira idade

Como o trabalho é dividido entre as três amigas, a quantidade e o lucro dos sabões produzidos também é compartilhado entre elas. Marlene Santana é artesã e participou da fundação da associação, que em seu nascimento tinha a finalidade de reunir as idosas do bairro para passar o tempo e conversar, mas que com o passar dos anos se tornou um espaço de produção de artesanato e trabalhos manuais. Ela relembra da fundação do grupo com muito orgulho.

A programação semanal da associação inclui aulas de bordado, dança, sessão de terapia com psicólogos, atividades físicas, oficinas de artesanato, costura, capoterapia, atendimento jurídico e palestras, e o espaço - aberto todos os dias, das 8h às 18h -  se tornou uma segunda casa das idosas que podem tanto participar das atividades, quanto ficar “contando piada e jogando conversa fora”, brinca Marlene.

Responsabilidade socioambiental

O destino adequado do óleo tem sido pauta frequente na Caern. Ao ser despejado na pia ou no vaso sanitário, o óleo usado passa pelos canos da rede de esgoto e fica retido em forma de gordura. Esse óleo incrustado nos encanamentos dificulta a passagem das águas pluviais e causa o extravasamento de água na rede de esgoto e o seu entupimento, levando ao mau funcionamento das estações de tratamento. Por essa razão, faz-se necessário o uso de produtos químicos poluentes para desentupir essas instalações, o que leva à mais poluição e mais gastos econômicos.

Esse esgoto contaminado com o descarte do óleo de cozinha usado chega às Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), que irão separá-lo da água e tratá-lo para que a água possa ser novamente despejada nos mananciais, como rios e lagos. No entanto, esse tratamento realizado nas ETEs não é feito com o esgoto total, mas apenas com cerca de 68%, o que significa que o óleo acaba chegando aos mananciais aquáticos. Além disso, o custo desse tratamento é alto, correspondendo a cerca de 20% do custo com o tratamento do esgoto.
 
A conscientização da população é parte fundamental na reversão desse problema, visto que o óleo descartado corretamente nos pontos de coleta da Caern beneficiam tanto o meio ambiente quanto entidades e pessoas físicas, que obtém renda através da reutilização desses produtos. A Associação de Idosas Julieta Barros é um dos diversos pontos de coleta de óleo usado em Natal, fica na Rua Largo do Eucalipto, número 104, no bairro Potengi, zona norte da cidade. No momento, as idosas precisam, além da doação do óleo usado, doações de telhas ou materiais de reforma, mas todo tipo de ajuda é bem vindo. É fundamental que iniciativas como essa sejam abraçadas por toda a comunidade e se torne hábito, a fim de uma mudança social e ecológica. 

SERVIÇO: 
Associação de Idosas Julieta Barros
Rua Largo do Eucalipto, 104, Potengi - Natal/RN
Como ajudar: telhas, materiais de reforma, mão de obra, itens para café da manhã, doações em geral.